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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
A oportunidade
LUCIANO COUTINHO
A economia brasileira tem a
oportunidade -depois de
22 anos de crise- de retomar as
condições para o crescimento sustentado. Não se trata, porém, de
uma oportunidade certa e dada
de bandeja. Vejamos. Apesar do
ônus desnecessário e elevado
-mercê da incompetência da política econômica da era FHC-,
há uma chance de ser conservada
a estabilidade de preços, hoje
ameaçada. A conservação dessa
conquista que tão caro custou ao
país ainda cobrará sacrifícios adicionais em 2003, a saber: juros altos, crescimento reprimido, mercado de trabalho deteriorado, esperanças frustradas a curto prazo. Esses sacrifícios adicionais poderão ser agravados se a deplorável guerra no Iraque se prolongar
e provocar nas economias centrais mais desalento financeiro,
mais cautela dos consumidores e
tensões renovadas sobre o preço
do petróleo.
De outro lado, há hoje um regime fiscal muito mais sólido em
decorrência da violenta escalada
tributária praticada pelo governo
FHC (aumento de nove pontos
percentuais do PIB). É possível,
por isso, gerar um superávit fiscal
primário elevado ainda que este,
infelizmente, seja esterilizado para cobrir os tremendos encargos
financeiros sobre a dívida pública
decorrentes da prática de uma taxa de juros ainda lamentavelmente alta.
O fato novo é que a conjugação
dessa solidez fiscal com a possibilidade de evitar o retorno da inflação indexada e alta tem agora
um aliado poderoso: uma taxa de
câmbio substancialmente depreciada nos dois últimos anos sob os
impactos da crise de energia, do
default da Argentina e do terrível
bloqueio financeiro ao Brasil no
ano passado. Por um lado, essa
depreciação cambial (acumulada
em 110% em termos reais desde
dezembro de 1998), ao provocar
fortes pressões de custos, veio
ameaçando a estabilidade de preços, mas, por outro, contribuiu
decisivamente para corrigir o déficit externo. Em 2003, o déficit
em conta corrente pode se reduzir
a apenas US$ 2,5 bilhões com a
obtenção de um superávit comercial de US$ 18 bilhões ou mais dependendo da evolução da economia mundial. Alguns arautos do
oficialismo sobrevivente da era
FHC já se apressam em cacarejar,
levianamente, que a vulnerabilidade externa estaria superada.
Falso! Não há garantia de sustentação do superávit comercial à
medida que a economia volte a
crescer, reativando a necessidade
de importar insumos e, crescentemente, bens de capital para novos
investimentos. Os levianos ignoram os efeitos cíclicos. Grande
parte do ajuste da balança comercial em 2002 decorreu de uma
queda de 15% nas importações e
de um aumento de apenas 3,7%
nas exportações. A queda das importações foi, em larga medida,
uma consequência da retração da
economia e, adicionalmente, de
processos setorialmente heterogêneos de substituição de importações provocados pela depreciação
cambial. Houve, por exemplo, notável substituição de importações
no setor de petróleo. Houve também alguma substituição de importações em cadeias como têxtil-vestuário, calçados, eletrodomésticos, material elétrico leve, autopeças, papel e gráfica. Resta, porém, o desafio de aprofundar a
substituição de importações em
cadeias fortemente deficitárias
como a eletrônica (componentes,
equipamentos de telecomunicações, equipamentos de informática), química (fármacos-farmacêutica, defensivos, plásticos e resinas, produtos inorgânicos) e
segmentos competitivamente viáveis de bens de capital.
Sublinhe-se que, além de acelerar a substituição de importações,
é urgente iniciar, imediatamente,
investimentos de grande escala
em setores competitivos superavitários para viabilizar a sustentação do saldo comercial. Em várias
cadeias, essa resposta positiva virá espontaneamente a partir de
investimentos de rápida maturação, especialmente nos agronegócios e nos setores industriais leves.
Advirta-se, porém, que, nas cadeias competitivas intensivas em
capital, existem casos críticos de
elevada utilização da capacidade
instalada que logo chegarão a estrangulamentos de oferta que tornarão incompatível o abastecimento do mercado interno e o simultâneo aumento das exportações, desatando pressões inflacionárias. Nesses casos, o deslanche
de investimentos privados depende de políticas setoriais que permitam reduzir riscos e custos de
capital e ainda robustecer a escala e a estrutura dos grupos econômicos de capital nacional. Encontram-se nessa situação cadeias
como a siderúrgica, a de celulose-papel, a metalurgia de não-ferrosos, a de placas e aglomerados de
madeira e a de borracha.
Em suma, a conquista da oportunidade de retomar o crescimento sustentado requer visão de longo prazo. Requer que, além do enfrentamento dos desafios macroeconômicos de curto prazo, seja
engendrada uma firme e consistente política de desenvolvimento
competitivo.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).
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