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LIVRE COMÉRCIO
Reunião para acelerar acordo entre União Européia e Mercosul evita pôr em pauta conflito no Iraque
Guerra fica fora da negociação comercial
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Nos corredores do prédio em
que se reúnem, em Bruxelas, os
negociadores do Mercosul e da
União Européia, os aparelhos de
TV ficam ligados na CNN ou na
BBC e mostram cenas do ataque
norte-americano ao Iraque.
Mas, nas salas de negociação
propriamente ditas, "os técnicos
estão ocupados com a definição
de regras de origem, medidas de
facilitação de negócios, métodos e
modalidades nas negociações de
serviços, enfim com a agenda da
discussão entre os dois blocos",
depõe José Alfredo Graça Lima,
embaixador brasileiro para a
União Européia.
É a mais objetiva demonstração
de que a guerra, pelo menos até
agora, não contaminou as negociações comerciais.
A reunião em Bruxelas visa
adiantar o acordo entre União
Européia e Mercosul para construir uma Associação Interregional, que seria a primeira do planeta e a primeira a envolver países
não contíguos geograficamente.
É também a única reunião importante em que negociadores
brasileiros estão presentes, na semana em que começou o ataque
ao Iraque.
Graça Lima deixa claro que a
ausência da guerra na sala de reuniões não é insensibilidade "aos
inumeráveis estragos que uma
guerra causa". É decorrência do
fato de que os técnicos envolvidos
na negociação não devem mesmo
fazer comentários sobre temas
que não estão em pauta.
Mas há também o desejo da Comissão Européia -braço executivo do conglomerado de 15 países europeus- de pretender ignorar uma guerra defendida por
alguns de seus membros (à frente
o Reino Unido), mas que teve
uma forte oposição dos dois principais países do bloco (Alemanha
e França).
O desejo de deixar a guerra de
fora da negociação comercial já
havia sido explicitado à Folha pelo comissário (espécie de ministro) europeu para o Comércio,
Pascal Lamy, no encerramento da
reunião de ministros do Comércio em Tóquio, no mês passado.
"Comércio é um exercício pacífico. Não vamos pôr combustível
nesse fogo", disse Lamy em resposta a uma pergunta sobre eventuais efeitos na negociação do
azedo desacordo entre França e
Alemanha, de um lado, e Estados
Unidos e Reino Unido do outro,
na questão iraquiana.
Mas o comissário teve o cuidado de acrescentar: "Se vamos conseguir (não pôr combustível na
fogueira), eu não sei".
O chanceler brasileiro Celso
Amorim é outro que teme algum
impacto da guerra e das divergências em torno dela nas negociações comerciais.
"Vamos tentar pragmaticamente levar as negociações adiante.
Mas, sendo realista, é difícil que
não haja nenhum impacto", diz
Amorim.
Otimista de ofício, no entanto,
imagina que os líderes políticos
queiram demonstrar que não
houve a contaminação.
Já o diretor-geral da própria
OMC (Organização Mundial do
Comércio), o tailandês Supachai
Panitchpakdi, afirma temer que o
enfraquecimento do multilateralismo, dado pela ação norte-americana contra o Iraque à revelia da
ONU (Organização das Nações
Unidas), provoque, sim, efeitos
negativos no grande foro comercial multilateral que é a OMC.
A guerra prejudicará ainda mais
as negociações já semi-paralisadas na OMC, previu Panitchpakdi, em palestra proferida segunda-feira no Instituto de Graduação para Estudos Internacionais
de Genebra.
O diretor da OMC acha que os
países terão que "redobrar esforços para cicatrizar as feridas" deixadas pelas divergências em torno da guerra, de forma a poderem colocar a negociação comercial de volta nos trilhos.
Não são apenas as divergências
que podem prejudicar as negociações. A Folha obteve na OMC
a avaliação de que os eventos no
Iraque desviarão as atenções das
lideranças políticas e, por extensão, reduzirão o seu foco em comércio.
Mais: a inquietação do empresariado com uma situação de
conflito terá efeito negativo sobre
seus investimentos e o comércio,
sem contar o aumento dos custos
com transporte e seguros, como
consequência da instabilidade.
O resultado final seria um menor crescimento do comércio internacional, imagina-se na OMC.
Tudo somado, a guerra no Iraque pode não ter penetrado nas
salas de negociações comerciais,
mas já está, sim, fazendo efeito
sobre o comércio e a política que
o envolve.
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