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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Sistema global opera sem modelo único de ajuste fiscal
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
Falar de ajuste fiscal como
se fosse uma regra de ouro
da racionalidade econômica é
um mito cuja validade já expirou.
No Brasil, o governo conseguiu uma concessão importante
do FMI. Investimentos da Petrobras deixarão de contar como despesas no ajuste fiscal.
A regra que menospreza a
qualidade do investimento público é filha de um modelo que
supõe a privatização total. Em
outros países, onde empresas
estatais deixaram de existir ou se
tornaram irrelevantes, a regra
fiscal do Fundo pode até fazer
sentido.
A racionalidade é outra quando se trata do investimento de
uma empresa estatal comercial
cujos resultados podem afetar
positivamente a necessidade de
dólares do país (exportando ou
importando menos petróleo).
Outro exemplo de flexibilidade na interpretação do que significa um ajuste fiscal vem da
União Européia. Depois de vários meses, os europeus finalmente chegaram a um consenso. Os franceses defendiam o
adiamento puro e simples da
data para cumprimento das metas de ajuste fiscal. Os alemães,
mais "austeros", recusavam o
adiamento.
O consenso é maroto: o prazo
foi mantido (2004), mas a definição foi alterada. Em vez de exigir orçamentos equilibrados, os
ministros das Finanças europeus concordam com o ideal de
situações "próximas ao equilíbrio". Sem especificar o que é isso.
A flexibilidade é oportuna. A
União Européia não consegue
crescer. E a nova safra de governos conservadores, em especial
na França, quer recorrer à fórmula da redução de impostos
com aumento de gastos para estimular a atividade econômica.
Resta saber se essas maquiagens ajudarão a mudar o cenário sombrio que predomina em
toda a economia mundial.
O laboratório decisivo ainda é
a economia dos Estados Unidos.
É onde a receita de reduzir impostos está sendo aplicada com
mais afinco. Isso num contexto
em que a recessão jogou areia no
cenário mais otimista para as
contas públicas.
O modelo conservador de
"ajuste fiscal", nos EUA, consiste em reduzir os impostos para
liberar poder de compra do setor privado. Ocorre que há poucos dias foi divulgado um exercício com os números do projeto Bush que torna improvável a
perspectiva de recuperação da
economia com base em corte de
impostos.
As contas publicadas por duas
organizações ("Citizens for Tax
Justice" e "Children's Defense
Fund") mostram que boa parte
do efeito positivo do pacote
Bush sobre a maioria da população já se esgotou. Os principais
beneficiados são os mais ricos,
porém seus ganhos vão se materializar apenas daqui a alguns
anos (o estudo completo está
em http://www.ctj.org/html/
gwb0602.htm).
Entre 2001 e 2005, a faixa dos
mais ricos (1% da população)
receberá apenas 19,8% dos cortes previstos nos impostos. Entre 2006 e 2009, a participação
dos mais ricos no bolo da renúncia fiscal conservadora pula
para 41% do total. Somente em
2010 os privilegiados no topo da
pirâmide receberão o benefício
máximo.
Além das questões políticas
derivadas da opção por privilegiar os ricos, o crescimento com
base nos benefícios de Bush depende do que vai acontecer num
futuro relativamente remoto.
Diferentemente do que fazem
crer os manuais de austeridade
econômica e responsabilidade
fiscal, a natureza do ajuste e os
seus efeitos mudam com o tempo e o espaço. E sua eficácia parece cada vez menos garantida.
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