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LUÍS NASSIF
Meu amigo Zé Grandão
Em casa sempre fomos enjoados com o uso da palavra
"amigo". Dona Tereza passava
uma reprimenda quando eu dizia que tinha ido jogar bola com
meus "amigos". "Companheiros", explicava ela. Amigo, só seu
pai."
Mas com o Zé Grandão foi um
caso de amigo à primeira vista. E
dona Tereza nem se importou
-aliás, adotou o Zé de imediato,
porque ele veio com aquele jeitão
desengonçado, dominando como
poucos a arte de contar "causos",
e habitava uma república que tinha por animal de estimação
uma jaguatirica. Quem não vai
gostar de um cara desses? O Zé se
apaixonou por minha família e
por ela foi imediatamente adotado.
Coisa boa não éramos, admito.
Prova é o dia em que fomos à
boate Josi, a casa da inolvidável
tia Jovita, eu com minha cara de
seminarista, óculos e uma capa
preta que tinha ganhado de presente da minha mãe. A estratégia
consistia em o Zé me apresentar
como seminarista filho de um rico fazendeiro recém-falecido,
que estava em dúvida entre continuar no seminário ou cair na
vida. A gente entraria na zona, o
Zé falaria para alguma dama da
noite me convencer a não voltar
para o seminário. Ela viria à minha mesa, beberíamos e, na hora
de pagar, apareceria um grandão, da turma do Zé, e se apresentaria como delegado de menores. Aí eu empalideceria, confessaria ser "de menor" -e tinha
só 17 anos mesmo-, o "delegado" ameaçaria a todos de prisão
e, para se ver livre do enrosco, as
tias nos liberariam de pagar a
conta.
Plano perfeito, muito bem-sucedido. Mas, como amigo que é
amigo gosta de sacanear, para
me desencaminhar, o Zé escolheu uma moreninha feia que
nem a peste, incapaz de desencaminhar até padre norte-americano. Quando a moça chegou a
minha mesa, fiz meu ar mais
grave e perguntei: "Você frequenta missas?". E ela, compungida:
"Não". "Então chama aquela loirinha ali, que tem jeito de quem
frequenta."
O Zé marcou época em Poços e
em todas as cidades por que passou. Em Poços, nosso programa
favorito era ir ao Bachianinha
encher a cara e ouvir os "causos"
do Zé. Em São Paulo, fazer o
mesmo no bar do Alemão.
Além de presidente do Grêmio
do Pelicano -o curso de química da maçonaria-, o Zé criou o
jornal "A Retorta", do qual era
diretor, redator e repórter principal. Mas era tão bom redator
que, logo que vim para São Paulo, indiquei-o para o Talvani
Guedes, que estava começando a
montar a reportagem da recém-reorganizada "Exame". O Zé levou um susto. Estava em dúvida
entre ser motorista de caminhão
ou viajar a América Latina de
moto, mas topou virar jornalista.
Provisoriamente, esclareceu.
Dali para diante, "provisoriamente" sua reputação foi crescendo, porque, com seu mais de
1m90, de tamanho não dava
mais. Tornou-se o texto mais saboroso da imprensa, saiu de São
Paulo para Campinas, depois para o Rio, Brasília, voltou a São
Paulo, deixando em cada lugar
legiões de amigos e admiradores.
Ficamos juntos a vida toda.
Quando montamos uma espécie
de "gueto" mineiro ali na rua
Abílio Soares, onde morávamos,
em apartamentos diferentes, eu e
minha mulher, meus pais, sogros,
irmãs, quem se mudou correndo
para lá? O Zé com a Guida.
Ele é um radical terrível, que
um dia quase brigou com o Fred
Jorge, um senhor simpaticíssimo,
indignado com as versões de música norte-americana que ele havia composto... 30 anos antes. "O
acanalhamento da música brasileira começou ali", justificou.
Passamos juntos pela ditadura,
ingressamos juntos na democracia e começamos a ter divergências nos anos 90. Mas só políticas.
Um dia o Zé me fez uma declaração que namorada nenhuma
chegou perto: "Turco, acho que
gosto tanto de você que até aceito
essas suas idéias neoliberais". E
eu nem tinha aderido ao rock.
São 35 anos de amizade. Bebemos juntos, compartilhamos nossa dureza no início da vida paulistana, nossas amizades e implicâncias, procurei o seu ombro
quando precisei, e ele quando
precisou se valeu do meu.
Esta coluna era para falar do
livro "Muita Sorte, Pouco Juízo",
que o jornalista José Roberto
Alencar, o melhor repórter do
país, está lançando, seu segundo
livro, e, como o primeiro, uma
delícia de texto. Fugi do assunto
principal, porque só tem uma
coisa melhor que o texto do Alencar: é a amizade do meu amigo
Zé Grandão.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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