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MERCADO EM TRANSE
Governo é acusado de praticar uma política de "aprendiz de feiticeiro" ao criticar a oposição
Crise está na fuga de capitais, diz economista
CHICO SANTOS
DA SUCURSAL DO RIO
O economista Fernando Cardim, 48, professor de macroeconomia e de sistemas financeiros
da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro), afirma que o
principal motor da atual crise brasileira não é o medo dos investidores estrangeiros, mas a fuga de
capitais de brasileiros para o dólar.
Ele acusa o governo de ter praticado uma política de "aprendiz de
feiticeiro" ao difundir a idéia de
que o candidato que lidera as pesquisas na disputa pela Presidência
da República pode vir a violar
contratos.
No entendimento de Cardim, o
feitiço virou contra o feiticeiro.
Ele admite que pode até ser necessário o uso do remédio extremo
de controlar os fluxos de capitais.
Mas afirma que ainda há espaço
para medidas menos drásticas.
A seguir, os principais trechos
da entrevista que o economista
concedeu à Folha na sexta-feira
passada:
Folha - O que mudou no Brasil do
começo do ano para cá, fazendo
com que o otimismo que havia se
instalado se transformasse nesse
quadro de crise? Foi só o efeito eleições?
Fernando Cardim - Na verdade, é
uma confluência de duas coisas.
Há uma razão mais permanente,
que é um quadro de vulnerabilidade. Há sempre uma certa disponibilidade para uma crise. Não
se tem muitos amortecedores em
operação para absorver choques.
Isso dá o quadro geral.
Vou dar só um exemplo que
acho particularmente importante. Hoje em dia existe uma facilidade de saída de investidores locais, me refiro a brasileiros residentes que têm uma facilidade
muito grande de tirarem suas
aplicações domésticas e convertê-las em moeda estrangeira. É essa
saída de dinheiro que tem pressionado o câmbio nessas últimas
semanas.
Essa liberalização do movimento de capitais, inclusive para residentes, desmonta um amortecedor muito importante. Agora, isso é um quadro geral, é agora como era no ano passado. Explica
por que, começando a deteriorar,
há uma tendência ao agravamento. Então, por que começou a deterioração? Eu creio que há, basicamente, três razões conectadas.
Primeiro, houve um certo excesso de otimismo no começo do
ano, causado, principalmente,
porque a Argentina morreu sozinha. Houve aquele grande alívio
ao se constatar que, pelo menos
desta vez o Brasil escapou do contágio, especialmente da fuga, agora sim, de investidores estrangeiros. Imaginou-se que seriam possíveis algumas políticas, como reduzir juros. Quando os indicadores efetivos começaram a ser divulgados, houve um desapontamento. Percebeu-se que tinha havido um certo exagero. Houve um
movimento de reavaliação no
sentido da cautela.
O segundo ponto, e esse mais
diretamente ligado ao choque, foi
a estratégia de aprendiz de feiticeiro que o governo desenvolveu
para as eleições. O governo, aqui
incluído o PSDB, tem uma responsabilidade muito grande.
Tentaram reproduzir a estratégia
de 1998 que era de "sob terror as
pessoas vão votar no que conhecem". Aparentemente, não funcionou. O candidato do governo
não decola e aí se cria o pior dos
mundos. Você está dizendo à população, ao mercado: "Esse candidato [Lula" vai violar contratos
e, o que é pior, ele vai ganhar".
Cria-se uma situação na qual a
confiança no mercado vai a zero.
E a terceira razão, que eu arriscaria como hipótese para os últimos dez dias, é que pânico tem
uma dinâmica própria. Você entra em um período no qual, mesmo acreditando que os fundamentos [econômicos] são bons,
você tem que vender porque seus
vizinhos estão vendendo tudo. Senão vai acabar ficando com pó na
mão. Essa é a dinâmica do pânico.
Folha - O problema atual é só interno ou o quadro internacional favorece a situação brasileira?
Cardim - Com certeza. Há uma
reavaliação das perspectivas da
economia americana que é até parecida com o que houve aqui.
Nesse início de ano também houve uma perspectiva de que a recessão de lá tinha acabado e que a
recuperação seria drástica. Vai ficando cada vez mais evidente que
a economia dos Estados Unidos
não está com todo esse fôlego. Fica ruim para todo o mundo, particularmente para o elo mais fraco
que são os países emergentes.
Folha - O senhor vê risco real de
moratória na economia brasileira?
Cardim - Eu acho que é muito
menor do que os indicadores estão refletindo. Até porque, quando você entra em pânico, não é racional. Não está aberto a persuasão. Mas, se puder parar um minutinho e olhar as condições objetivas, verá que a probabilidade
de calote ainda é muito pequena.
Ela tende a crescer na medida em
que ninguém compre papéis, porque o governo ficará sem alternativa. Mas por iniciativa do governo, seja lá quem for o vencedor da
eleição, em 2003 não pode acontecer grande coisa. Temos uma série de amarras institucionais que
só não serão efetivas se estivermos desmoronando.
Folha - O senhor vê algum risco
para o sistema bancário?
Cardim - Olha, pânico é sempre
uma situação muito perigosa.
Mas pânico não foi inventado
agora. Existem meios de intervenção. Uma das primeiras providências a serem tomadas é usar o
mesmo poder que se usou para
criar o pânico para mostrar que as
amarras existentes são muito efetivas.
As chances de um Plano Collor
(houve confisco do dinheiro aplicado ou depositado nos bancos)
hoje em dia é institucionalmente
zero. O PT pode até ter idéias estapafúrdias. Agora, entre ter essas
idéias e elas gerarem efeito passará um tempo obrigatório que vai
permitir um julgamento.
Folha - Em termos de medidas
econômicas, como a ampliação do
recolhimento compulsório de recursos dos bancos ao Banco Central
que já foi tentada, o que é possível
fazer?
Cardim - Essas medidas foram,
basicamente, simbólicas. Em
1995, quando houve a crise do
México, o Brasil usou essa medida
em larga escala. Passou o compulsório sobre os depósitos à vista
para 100%. Aí é uma paulada monumental. Tenho a impressão de
que, por enquanto, ainda não se
justifica uma medida dessa magnitude. Ou seja, o governo ainda
tem algumas cartas na mão antes
do tiro maior que seria o controle
de capitais. Dificultar a saída [de
dinheiro" de residentes. Isso é
possível, a Malásia fez. Todo
mundo apedrejou no início, mas
hoje em dia todos reconhecem
que ela se saiu bem e evitou uma
série de problemas.
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