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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Desregulamentação e fraudes financeiras
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
O veloz desenvolvimento de
inovações financeiras nos
últimos anos, associado à intensa
informatização dos mercados,
permitiu acelerar espantosamente o volume de transações e acentuar a busca de liquidez por parte
dos investidores. Essas características, combinadas com técnicas
de alavancagem que envolvem o
crédito bancário, explica não só a
exuberância do ciclo americano
dos anos 90 como também o enorme potencial de realimentação
dos processos especulativos. Nesses mercados, não foram raros os
momentos de colapso das expectativas, acompanhadas da sede
de liquidez.
Desde a afirmação de sua supremacia, em meados dos anos
80, os mercados financeiros foram
palco de uma sucessão de episódios críticos. Entre eles, estão o
"crash" das Bolsas de Valores em
1987, a derrocada dos mercados
imobiliários em 1989, o colapso
da Bolsa de Tóquio em janeiro de
1990, os ataques especulativos às
moedas fracas do SME em 1992 e
em 1993, a crise no mercado americano de bônus em meados de
1994 e a crise mexicana de dezembro do mesmo ano. Isso para não
falar na crise asiática de 1997-98,
no default russo de 1998, na operação de resgate do LCTM no
mesmo ano e na tragédia argentina de 2001. Os desastres só não tiveram maior alcance por conta
das intervenções de última instância dos bancos centrais mais
poderosos.
O economista americano
Hyman Minsky procurou mostrar que a concorrência entre os
possuidores de riqueza afeta as
avaliações dos que buscam a maximização do ganho privado. Para ele, as decisões privadas -tomadas em condições de incerteza
radical- estão sempre sujeitas à
má avaliação do risco e à emergência de comportamentos coletivos de euforia que conduzem à
fragilidade financeira e a crises de
liquidez e de pagamentos.
Ele sublinhou a dinâmica de
formação dos preços dos ativos
numa economia em que a alternância entre euforia e desilusão é
gerada por fortes interações subjetivas entre os participantes do
mercado -capazes de provocar
comportamentos coletivos como o
contágio e o pânico. As condições
de liquidez alteram-se endogenamente ao longo do ciclo: primeiro
abundante, depois eufórica, para
finalmente desaparecer diante da
demanda desesperada dos que
detêm ativos que geram fluxos de
rendimentos inferiores aos pagamentos contratuais decorrentes
da dívida acumulada.
"As decisões financeiras", diz
Minsky, "são tomadas em torno
de um futuro imaginado por credores e devedores como resultado
de negociações em que são trocadas informações e desinformações. O resultado reflete opiniões
sobre um projeto particular à luz
dos sucessos e fracassos da economia no passado recente e no mais
distante. A incerteza em relação
ao modelo adequado para formar as expectativas pode ser
maior se muitos anos se passaram
desde a última crise financeira.
Essa incerteza fundamental significa que as margens de segurança
calculadas pelos agentes devem
variar."
Na dinâmica do ciclo financeiro
clássico, a concorrência entre os
possuidores de riqueza associada
ao crédito elástico estimula o surgimento da valorização puramente fictícia: os preços dos ativos
"descolam" da evolução dos rendimentos observados, instigando,
inclusive, a emissão de títulos de
dívida e de ativos sem lastro nas
operações da economia real.
No mundo da finança desregulamentada, os administradores
da riqueza líquida -fundos de
pensão, fundos mútuos, hedge
funds-, no afã de carrear mais
dinheiro para os seus fundos e na
ânsia de bater os concorrentes,
prometem mundos e fundos aos
clientes. É ingenuidade, portanto,
supor que esses mercados atendam aos requisitos de "eficiência", no sentido de que não podem existir estratégias "ganhadoras" acima da média, derivadas
de assimetrias de informação e de
poder. Os protagonistas relevantes nesses mercados são, na verdade, os grandes bancos de investimento, os fundos mútuos e as tesourarias de empresas que decidiram ampliar a participação da riqueza financeira em seu portfólio.
Esses agentes poderosos sabem
que os investidores de menor porte são obrigados a formular estratégias com base numa avaliação
"convencionada" sobre o comportamento dos preços. Dotados
de grande influência sobre a "opinião dos mercados", eles podem
manter, exacerbar ou inverter
tendências. Podem até mesmo inventar "novidades", manipular
preços de ativos e engambelar a
clientela.
No período recente, a frouxa supervisão das autoridades incumbidas de fiscalizar os mercados financeiros vem abrindo as portas
para fraudes de todo gênero. Em
sua última edição, a revista "The
Economist", indignada com a sucessão de escândalos, pergunta:
"Não há mercados financeiros
honestos nos Estados Unidos?"
Na seção "Buttonwood", responde: "Todos estão ganhando dinheiro, menos os clientes". "Os
bancos de investimento", continua, "tratavam de se desvencilhar das ações que seus analistas
"esquentavam" publicamente."
Luiz Gonzaga Belluzzo, 60, é professor
titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos
do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia
do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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