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LUÍS NASSIF
Compositores sem fronteira
No CD de Maria Rita há
uma penca de composições de primeiríssima linha de
Marcelo Camelo. Fui saber
quem era. É compositor e intérprete da banda de rock Los
Hermanos. Como diria Millôr
Fernandes, "enfim, um compositor sem estilo". Marcelo não é
refém da MPBzisse -um estilo
pseudo-sofisticado pasteurizado de tocar MPB "pura", que
acabou tomando por refém toda uma geração de compositores que perderam o rumo por
não saber sair da linha.
A convivência com o rock liberou Marcelo, que é dotado de
uma diversidade musical que
lhe permite compor sambinhas
da melhor qualidade, sambas
paulistas estilo Adoniran, músicas lentas, algumas obras-primas realçadas pela interpretação de Maria Rita.
Resolvi olhar para trás para
entender esse processo de criação, dos compositores sem fronteira que circularam com desenvoltura da música dita sofisticada à música tida por brega.
Nenhuma dupla foi mais significativa desse estilo do que
Jair Amorim e Evaldo Gouvêa.
O CD "Todas as coisas", que
Gal Costa acaba de lançar
-certamente inspirado no excelente "Copacabana", dos
Trovadores Urbanos, com arranjos vocais de primeira de
Marcelo Maestro-, traz um
clássico da dupla, o "Brigas"
("Veja só que tolice nós
dois"...).
Jair Amorim nasceu em Leopoldina (Espírito Santo), em
1915. Mudou-se para o Rio de
Janeiro e foi trabalhar como
jornalista e radialista. Quando
o pianista José Maria de Abreu
(autor das mais belas valsas da
música brasileira) perdeu seu
parceiro Francisco Matoso, Jair
candidatou-se à vaga. Ambos
eram colegas da Rádio Clube
do Brasil. Mas só conseguiu depois que compôs a letra da versão de "Maria Elena" ("Maria
Elena és tu / a minha inspiração"), do mexicano Lorenzo
Barcelata, gravada por Arnaldo Amaral, cantor de algum
sucesso na época.
Foram parceiros durante dez
anos, compondo a parte mais
substanciosa do mais sofisticado cantor brasileiro da história,
Dick Farney. Deles, Dick gravou "Alguém como tu", "Sonhar" e "Ponto final". Jair
Amorim também colocou letra
em uma das mais belas valsas
para violão, o "Se ela perguntar", de Dilermando Reis, gravada por Carlos Galhardo.
Também foi parceiro de Wilson
Batista e Roberto Martins e fez
parte da linha de frente do brilhante time de compositores
que antecedeu a bossa nova.
Em meados dos anos 50 compôs um dos grandes clássicos de
todos os tempos, "Conceição",
em parceria com Dunga, sucesso estrondoso de Cauby Peixoto.
Foi lá para 1957 que Jair conheceu Evaldo Gouvêa, nascido em 1930, em Iguatu, Ceará.
Depois de uma carreira nas rádios locais, Evaldo montou o
trio Nagô, com Mário Alves e
Epaminondas de Sousa. Em
uma breve excursão pelo Rio,
agradaram tanto que foram
contratados por Vadeco (que
tinha sido do Bando da Lua)
para a Rádio Jornal do Brasil.
Apenas em 1957 Evaldo começara a compor, e a estréia foi
"Deixe que ela se vá" (com Gilberto Ferraz), gravada por Nelson Gonçalves.
Evaldo conheceu Jair Amorim em uma visita à União
Brasileira dos Compositores, da
qual Amorim era diretor. No
mesmo dia compuseram "Conversa", gravada por Alaíde
Costa. E aí enveredaram por
um estilo de música saborosíssimo, mas que certo tipo de crítica preconceituosa rotulou de
brega. Para Miltinho compuseram "Poema do olhar". Para
Altemar Dutra, outro campeão
de vendas, os clássicos "Que
queres tu de mim", "O trovador" e "Somos iguais".
Foram mais de 150 músicas
em parcerias de todos os gêneros. Clássicos da marcha-rancho, como o "Bloco da solidão",
sambas-enredo, como "O mundo melhor de pixinguinha", de
1973, bolerões como "Alguém
me disse", tangos como "Tango
para Teresa", gravado por Ângela Maria, sambas clássicos,
como "O conde", gravado por
Jair Rodrigues.
Jair Amorim morreu em 1993,
aos 78 anos. Evaldo Gouvêa
continua firme aí, na noite. Se
minha vida maluca deixar,
qualquer dia desses ainda armo uma boa noitada, para saber o que ele anda compondo.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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