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PÁTIO DA INADIMPLÊNCIA
Burocracia, falta de pagamento e disputa judicial criam estoque gigante de automóveis retomados
Bancos viram "depósito" de 100 mil carros
Marlene Bergamo/ Folha Imagem
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Pátio com carros tomados pelos bancos que serão leiloados |
SANDRA BALBI
LÁSZLÓ VARGA
DA REPORTAGEM LOCAL
A queda da renda dos consumidores, uma disputa judicial e a burocracia deixaram os bancos e financeiras com "pátios" lotados de
veículos. São cerca de 100 mil automóveis resgatados de compradores que financiaram a aquisição dos carros, mas não pagaram
as prestações por falta de dinheiro. A estimativa é da Febraban
(federação dos bancos).
A situação, considerada grave
pelos banqueiros, lembra a das
montadoras e das distribuidoras
de automóveis. Em julho, as montadoras tinham 161,3 mil veículos
novos parados nos pátios devido
à crise, segundo a Anfavea (associação das montadoras).
O Brasil, portanto, possui hoje
cerca de 261,3 mil veículos novos e
usados em estoque (equivale a
20% dos automóveis vendidos no
país por ano). No caso dos bancos
e das financeiras, os veículos parados foram apreendidos por ordem judicial contra os consumidores inadimplentes.
"O número de inadimplência
no financiamento de veículos
passou dos 2,99% da carteira total
em junho de 2002 para 3,54% no
mesmo mês de 2003", diz Ricardo
Malcon, presidente da Acrefi (associação das financeiras).
Os carros recuperados por bancos e financeiras representam metade do estoque dos veículos que
se encontram nos pátios de leiloeiros. Alguns, como o banco Panamericano, guardam parte dos
carros em áreas próprias.
O acúmulo de automóveis em
poder dos bancos também se deve à burocracia e a complicações
judiciais.
Levantamento feito por Roberto Luís Troster, economista-chefe
da Febraban, mostra que a Justiça
demora em média 271 dias para
autorizar o leilão dos veículos
apreendidos. Além disso, muitos
consumidores contestam judicialmente o pedido de busca e
apreensão -ou simplesmente
somem com o carro. Nesses casos, a demora é ainda maior.
"Há casos nos quais os automóveis demoram mais de 1.500 dias
para serem liberados para a venda
depois da apreensão. O roteiro
começa com a apreensão do veículo e deriva para caminhos judiciais inacreditáveis", diz Troster.
A Proconsumer, associação de
defesa de consumidores, tem
1.200 ações em andamento só em
São Paulo. "Só em casos extremos
conseguimos impedir a apreensão do veículo", diz Andrea Spinelli Militello, advogada da entidade. "O recurso é a arma do consumidor para não pagar o saldo
residual após perder o carro."
Foi o que aconteceu com Maria
Cristina Branco, 48, dona de uma
locadora de vídeos e de DVDs.
Em 1997 ela financiou a compra
de um Escort novo. Em 2000, ficou sem dinheiro e suspendeu o
pagamento das prestações quando faltavam oito delas. "O banco
levou o automóvel e o vendeu em
um leilão por R$ 12 mil. Mas afirma que devo ainda cerca de R$
9.000 pelo valor financiado do
veículo." Branco acionou a entidade de proteção ao consumidor
Proconsumer, que entrou com
uma ação na Justiça.
Dor de cabeça
A situação chegou a um ponto
que está colocando em xeque um
dos dogmas do setor. Os bancos
sempre defenderam a alienação
fiduciária -que mantém o bem
financiado em nome do credor
até a quitação- como forma de
reduzir a inadimplência e o
"spread" bancário. Agora, o mesmo instrumento jurídico que elogiaram virou uma dor de cabeça
para o setor. Como resultado, os
bancos movem cada vez menos
ações para recuperar carros financiados. "Não há interesse em
retomar os carros com pagamentos em atraso. A venda demora a
ocorrer e, em geral, os preços obtidos não cobrem o saldo residual
do financiamento", diz Adalberto
Savioli, diretor de crédito e risco
do banco Panamericano.
Os bancos das montadoras foram os primeiros a puxar o freio
das ações de busca e apreensão. A
Anef (associação dos bancos das
montadoras) prevê que o número
de carros retomados caia neste
ano. Em 2002 foram recuperados
11 mil veículos por aquelas instituições. Neste ano o número não
passará de 8.000, diz José Romélio
Ribeiro, diretor-executivo da
Anef. De janeiro a junho, o total
de carros resgatados pelos bancos
de montadoras chegou a 3.960.
"O procedimento de apreensão
e leilão de veículos gera um custo
adicional para os bancos com o
pagamento de aluguel de pátios
para estocá-los", diz Ribeiro.
Ele afirma que os bancos têm
preferido negociar exaustivamente com os clientes para recuperar
o crédito. Nessas negociações, o
consumidor pode reduzir o valor
da dívida, livrar-se de multas e
obter taxas de juros menores.
Para os bancos, essa pode ser
uma solução melhor do que esperar que a Justiça libere o carro para venda. "Em média, os carros
apreendidos por bancos e financeiras são vendidos a um preço
20% abaixo da tabela do mercado.
Há casos em que a diferença é de
50%", diz Ronaldo Milan, leiloeiro oficial da Milan Leilões.
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