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NOVO MANTRA
Para diretor do Morgan Stanley, país é dos poucos que seguem o Consenso de Washington e não estimulam crescimento
Brasil precisa de nova dieta, afirma analista
MARIA LUIZA ABBOTT
DE LONDRES
O Brasil precisa de um novo
equilíbrio na política econômica,
com superávit primário menor e
mais crescimento, senão vai permanecer na situação em que está
há anos, entre crises e uma ausência relativa de crises. Essa é a avaliação de uma respeitada voz do
mercado financeiro internacional, o diretor de mercados emergentes do banco de investimentos
americano Morgan Stanley, Narayan Ramachandran.
"Em um momento do ciclo, os
juros nominais talvez caiam para
15% e tudo vai parecer bem. De
repente haverá algum tipo de crise no mundo ou outra crise brasileira e tudo vai parecer mal de novo. Isso aconteceu três vezes desde 1999", disse Ramachandran
em entrevista à Folha por telefone, pois estava em Cingapura.
Em um artigo recente, publicado pelo "Financial Times", o economista afirmou que o mundo,
hoje, assiste à "morte do Consenso de Washington e a sua rápida
substituição pelo mantra "get
growth going" (algo como "mantenha o crescimento'), ou GGG".
O GGG seria a adoção de políticas que estimulem a demanda e
sustentem o crescimento. Mas
Ramachandran afirma que alguns países ainda seguem as diretrizes do antigo consenso, e o
maior exemplo seria o Brasil.
No Brasil, poderia haver uma discussão sobre se é possível um pouco mais de equilíbrio entre crescimento [econômico] e disciplina fiscal
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Crescimento é sempre bom, é o sangue da vida de uma economia, de um país, de um povo. A questão é se é possível crescer sem
criar inflação
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Ele compara o Brasil a uma pessoa que está de regime há anos, e a
dieta não está funcionando, por
isso estaria na hora de mudar. Segundo Ramachandran, o país tem
que buscar um equilíbrio melhor,
reduzindo o aperto fiscal e criando mais espaço para crescimento.
Tudo isso, diz, precisaria ser
acertado com o FMI (Fundo Monetário Internacional), para que
os mercados tivessem confiança.
Por ser um enorme devedor mundial, o Brasil precisa seguir o FMI,
já que os investidores vêem o país
com "os óculos" do Fundo.
Folha - O senhor escreveu, em artigo no "Financial Times", que o
Consenso de Washington está morrendo, embora ainda esteja sendo
seguido no Brasil. Que tipo de receita o Brasil deveria seguir?
Narayan Ramachandran - Os três
países que estão seguindo ainda,
de forma geral,
aquele plano, são
Brasil, Turquia e,
em menor medida, a Argentina.
Os três estão profundamente endividados com o
resto do mundo e
têm pouca escolha, a não ser seguir o que o FMI
prescreve. Meu
argumento não é
oferecer uma solução uniforme
para todos, mas
dizer que receitas
diferentes precisam ser adotadas
para diferentes
países. Por exemplo, na Argentina
uma receita de disciplina fiscal
pode ser ainda apropriada. No
Brasil, poderia haver uma discussão sobre se é possível um pouco
mais de equilíbrio entre crescimento e disciplina fiscal.
Os mercados tratam automaticamente de forma negativa qualquer outra receita que não seja a
do FMI. A questão é se em discussão com o FMI pode haver um
pouco mais de equilíbrio entre
crescimento e inflação.
Folha - O senhor escreveu que o
Consenso de Washington não é a
solução.
Ramachandran - O que eu não
acredito é que o
Consenso de
Washington deva
ser aplicado a cada economia da
mesma maneira.
Como um participante do mercado
e alguém que
acredita em disciplina fiscal e monetária, penso
que há elementos
do Consenso de
Washington que
fazem muito sentido. A alternativa
seria gastar de
forma desregrada
e construir pontes
para lugar nenhum, como o Japão pode estar fazendo. O que recomendo é uma
solução para cada país.
No caso do Brasil, o que poderia
ser discutido são iniciativas direcionadas de crescimento em combinação com superávits primários. Mas o FMI tem que estar
aberto para essa possibilidade,
porque, se não estiver aberto, então acabam as apostas.
Folha - O senhor quer dizer que os
mercados não confiariam em uma
receita que fosse fora do FMI?
Ramachandran - O FMI é o emprestador de última instância. O
FMI não importa mais para Coréia do Sul ou Tailândia, porque
eles pagaram suas dívidas. Mas o
FMI importa para Brasil e Turquia. Os óculos dos mercados são
aqueles dados pelo FMI . No caso
da Argentina, disciplina fiscal é a
solução correta, mas pode haver
uma discussão se essa disciplina
fiscal tão severa é a solução correta para a Turquia e o Brasil.
Folha - Por que essa diferença ?
Ramachandran - O Consenso de
Washington tem princípios corretos, não estou fazendo um discurso antifundamentalista de
mercado. Tudo o que estou dizendo é que ele é uma solução única,
aplicada a todos os países.
Folha - Por que a discussão agora
está centrada em crescimento,
quando antes estava centrada em
disciplina?
Ramachandran - Crescimento é
sempre bom, é o sangue da vida
de uma economia, de um país, de
um povo. A questão é se é possível
crescer sem criar inflação. Neste
momento, há um vento global desinflacionário, e esse vento ajuda
países de alta inflação, porque a
pressão externa
sobre a inflação é
mantida baixa. Há
uma chance decente de a inflação
surpreender para
baixo, contanto
que o Brasil mantenha algumas
disciplinas. Há argumentos de que
o Brasil ficou
apertado demais
nos últimos anos,
no governo [Fernando Henrique]
Cardoso. É como
estar em uma dieta permanente,
particularmente
se alguém está de
dieta e não perde peso, não tem os
resultados esperados. O Brasil está em um tipo de dieta permanente, e a questão é se é possível comer mais se fizer exercícios, e, fazendo isso, sentir-se mais saudável.
Folha - É um tratamento?
Ramachandran - É uma cura
muito drástica. A doença é o Brasil ser um enorme devedor, a
questão é como curar a doença.
Cura apertando, apertando, apertando? Ou cura a doença ao tomar
medidas sensatas, com políticas
equilibradas? A desconfiança que
o mercado tem, e é baseada na
história, é que no momento em
que essa flexibilidade for permitida, os políticos vão gastar em coisas inúteis. A orientação e o compromisso do governo podem ser
mais importante do que o modelo. O modelo da receita pode ser
alterado. Então, países diferentes
seguem caminhos diferentes. A
Malásia seguiu um caminho diferente do da Indonésia e da Coréia
do Sul na saída da crise de 1998.
A saída seria uma discussão entre o FMI e o Brasil que dissesse
que, agora que alcançamos mais
do que 4,25% de superávit [primário] e a inflação está caindo,
vamos nos comprometer juntos a
um equilíbrio entre crescimento e
inflação. E um comunicado ao
mercado que diga sim, o FMI está
junto com esse plano equilibrado.
A coisa chave para o governo do
Brasil é gastar de forma sábia.
Folha - Seriam projetos de criação de empregos?
Ramachandran - Empregos vão
se tornar a questão. Quando se
mantém o aperto, não se cria empregos. Não estou sugerindo
abandonar o FMI e partir para o
crescimento. Essa é uma visão esquerdista, e isso não é realmente o
que estou sugerindo. O que sugiro
é um equilíbrio e uma estratégia
sensata de crescimento que permita a criação de empregos. Não
acredito que tenha havido sucesso
em um aperto constante.
Folha - Quais as perspectivas se o
Brasil não alcançar esse equilíbrio?
Ramachandran - O Brasil vai ficar indo e voltando, entre crises e
uma ausência relativa de crises.
Em um momento do ciclo, os juros nominais talvez caiam para
15%. E tudo vai parecer bem. De
repente haverá algum tipo de crise no mundo ou outra crise brasileira, e o Brasil vai parecer mal de
novo. Isso aconteceu três vezes
desde 1999. É claro que reforma
previdenciária, tributária, todas
essas coisas precisam acontecer.
Esses elementos do Consenso de
Washington precisam ser feitos,
mas, há uma maneira de equilibrar crescimento e inflação.
Folha - O Brasil pode, então, ter
um superávit primário menor e
crescimento maior?
Ramachandran - Sim, mas um
superávit primário menor tem
que ser direcionado de forma
apropriada. Não construir pontes
e estradas para lugar nenhum, por
pressão do eleitorado. Mas sim
construir vantagens estruturais
para a economia, desde educação
a certos setores industriais. Talvez
o setor agrícola. Acho que o debate deve ser esse equilíbrio e não
apenas lutar contra a inflação, lutar contra a inflação. Não vamos
confundir. O Brasil se pôs nessa
situação por ser um enorme devedor ao resto do mundo.
Não estou sugerindo que o único problema é o Consenso de
Washington. É um problema
grande, tanto para a Turquia
quanto para o Brasil, porque eles
mesmos criaram. Outros países
não criaram. Mas, ao mesmo
tempo, acho que agora, com esses
ventos desinflacionários no
mundo, pode haver um melhor
equilíbrio.
Folha - Há quem
defenda que, embora haja restrições domésticas
com aperto fiscal e
monetário, é possível crescer por
meio das exportações. O que o senhor acha disso?
Ramachandran -
Isso funciona em
economia clássica. Quando a
moeda entra em
colapso, então a
balança comercial
se recupera, e essa
recuperação ajuda o crescimento
do PIB. Foi isso que aconteceu na
Coréia do Sul em 1998, e é isso que
está acontecendo no Brasil agora.
Mas o Brasil não tem uma economia externa organizada como outros. Uma das estratégias a serem
seguidas pode ser se tornar globalmente competitivo em certos
setores. Não só em preço, como
está acontecendo. O Brasil precisa
criar valor agregado em setores de
exportação, não apenas porque o
minério de ferro ficou 20% mais
barato porque o real se depreciou.
Talvez gastar de forma sábia seriam cortes de impostos em certos setores que têm mais valor
agregado. Não sei exatamente como fazer. Estou apenas dizendo
que há múltiplas formas de fazer
isso. Exportações são um dos aspectos, mas não o único.
Folha - Não é suficiente?
Ramachandran - Não. O Brasil
tem uma economia interna razoavelmente grande. Todos os países
que se concentraram apenas em
exportação estão tentando fazer o
contrário. A Tailândia, que fez isso, agora está tentando duramente substituir crescimento puxado
por exportações por um crescimento puxado de forma mais
equilibrada por exportações e
economia interna.
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