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CRISE NO AR
Salários atrasados, reclamações de passageiros e remuneração achatada compõem rotina das funcionárias
Comissárias da Vasp enfrentam turbulência
MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Cabelos curtos, aparelho nos
dentes, Clarice Lacerda dos Santos, 26, tem um salário de R$ 676.
Até pouco tempo, trabalhava em
média 124 horas por mês, com
atrasos salariais recorrentes, sem
ter seu FGTS depositado e ouvindo reclamações de toda sorte. Optou por um programa de demissão voluntária.
Longe da imagem glamourizada que é comum associar à profissão, ela faz parte do quadro de comissários de bordo da Vasp, formado por uma maioria de mulheres muito jovens, que ganha pouco, trabalha muito, muitas vezes
longe da família e que acaba sendo a cara da empresa perante os
passageiros -em geral indignados com cancelamentos e atrasos.
Os baixos salários são comuns a
todas companhias -a categoria
não tem um piso estabelecido por
lei ou acordo sindical-, mas no
caso da Vasp a tripulação está se
acostumando a ouvir, nos últimos
tempos, frases que massacram
qualquer resquício de orgulho
corporativo, como "Nunca mais
viajo pela Vasp", "Será que esse
vôo chega mesmo lá?" e "Será que
vai ter combustível para pousar
em São Paulo?".
Cabe às comissárias acalmá-los,
muitas vezes com um argumento
feminino que consegue desfazer
qualquer pânico repentino: "Senhor, meu filho está me esperando. Eu não viajaria se não tivesse
certeza que nada vai acontecer".
A média de idade da categoria
na Vasp varia de 22 a 27 anos. A
empresa alega que é para dar
oportunidade aos jovens, mas, segundo sindicalistas, a aérea demitiu há alguns anos quase todos os
comissários mais antigos como
estratégia para achatar salários.
Batom caro
Atualmente, um comissário que
entra na Vasp ganha um salário
base de R$ 500, segundo o Sindicato Nacional dos Aeronautas.
O grande problema é conseguir
se manter em uma profissão em
que os gastos são elevados. Por
exemplo, os comissários não podem se atrasar um minuto para
um vôo. Em casos de emergência,
precisam tomar táxi para chegar,
e, quando o destino é o distante
aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, o quadro se complica.
No caso das mulheres, há um
custo insuspeito mas significativo: a maquiagem pesada, feita e
retocada todos os dias, tem que
ser de qualidade, e um bom batom é caro e acaba rápido.
As obrigatórias meias-calças
desfiam muito facilmente. A
Vasp, por exemplo, fornece apenas dez delas a cada dois anos.
Ajudam a pagar as contas as horas extras -que são depositadas
caso a tripulação voe mais de 54
horas por mês. Se trabalham a
mais depois das 18h, é valor dobrado, e, se é em um domingo ou
feriado, o dobro mais 20%.
O real segredo da sobrevivência,
no entanto, se chama diária de alimentação. Para almoço ou jantar,
o valor é R$ 30. Para o café da manhã, R$ 7,50. No final do mês, o
valor total das diárias é maior do
que o salário. "Muitos comissários se alimentam mal para guardar as diárias, que acabam compondo os salários", diz Marlene
Ruzza, diretora do Sindicato Nacional dos Aeronautas e ela mesma ex-comissária da Vasp -parou de voar em 2000.
A necessidade das diárias se
mostra em toda a sua extensão
quando chegam as férias. "É desesperador. Podemos viajar, temos direito a passagens, mas não
adianta nada, porque não temos
dinheiro para gastar no destino",
conta Clarice, que, quando entrou
na companhia, era chamada pelo
"nome de guerra" Helena Prado
-estratégia das companhias para não causar confusão entre funcionários homônimos.
Recentemente, um dos principais fatores de descontentamento
entre a tripulação é o fato de que,
segundo funcionários, a empresa
desvia algumas vezes a verba das
diárias para pagar o combustível
-com a crise financeira agravada, as distribuidoras exigem pagamento à vista.
Outro problema, de comissários de todas as companhias, é
que a escala é organizada por turnos, e em uma semana eles nunca
trabalham todos os dias em um
mesmo período.
"É um trabalho penoso", resume Marlene. "Existem estudos
que mostram que isso mexe com
os ciclos de sono da tripulação",
completa. Um dos principais motivos de afastamento de comissários é a fadiga crônica, diz ela.
A diretora do sindicato conta
que os investimentos da Vasp em
funcionários diminuíram muito.
Ela começou a trabalhar na companhia em 1976. "Toda aeronave
tinha um chefe de equipe, que recebia um adicional por essa responsabilidade. Atualmente, na
prática, continua havendo um
chefe, mas não recebe nada a mais
por isso", afirma.
Foi um atraso no pagamento
dos salários referentes a agosto e
irregularidades nos depósitos do
FGTS, entre outros problemas,
que levou pilotos e comissários à
primeira paralisação da Vasp neste ano. Os funcionários da Varig
enfrentam dificuldades parecidas.
"Aconselho sempre quem está
começando a estudar, não se concentrar apenas na aparência. Fiz
duas faculdades voando", diz a diretora do sindicato.
Tapas e grosserias
Lidar com passageiros mais difíceis -é rotineiro receber cantadas grosseiras- é inerente à profissão. Os aeronautas têm até o
Dia Mundial contra Passageiros
Indesejáveis como forma de protesto. Há alguns anos, o cantor e
vereador eleito em São Paulo pelo
PP Agnaldo Timóteo, por exemplo, estapeou uma comissária da
Vasp e foi obrigado pela Justiça a
pagar R$ 54 mil para indenizá-la.
Mas não é regra: mesmo com a
crise, muitos passageiros da Vasp
são gentis e dizem às comissárias
que voam pela empresa, ainda,
pela simpatia delas. "Conquistamos o passageiro porque o ambiente é muito bom no vôo", afirma Clarice.
Os obstáculos se acumulam,
mas são raras as que falam em desistir. "Sou apaixonada pelo que
faço", afirma ela, que quer continuar a ser uma comissária. Em
outra companhia, é claro.
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