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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Brasil, um crescimento difícil
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
A lgumas projeções recentes sobre o desempenho do
balanço de pagamentos nos próximos anos estão mais otimistas.
É verdade que a crise cambial em
curso e a contração das linhas de
financiamento externo estão
obrigando o setor privado e o governo a pagar ou a recomprar
seus débitos em moeda estrangeira. A balança comercial também
vem apresentando bons resultados: é provável que o superávit na
conta de mercadorias chegue aos
US$ 7 bilhões neste conturbado
2002 -uma boa notícia, mas não
um resultado saudável. A despeito de uma certa recuperação das
exportações nos últimos meses, a
queda das importações ainda é o
fator determinante do saldo positivo.
A trajetória do superávit comercial para os próximos anos
não pode ser projetada linearmente a partir do desempenho recente. Quem faz esse tipo de exercício deve informar ao público
que está supondo a manutenção
do crescimento medíocre da economia, para dizer pouco.
Vamos formular uma hipótese
otimista: a economia brasileira
vai crescer em torno de 3% em
2003, 4% em 2004 e 5% em 2005.
A maior "absorção doméstica" e
a resposta elástica das importações vão, em princípio, pressionar
o saldo comercial. Muitos argumentam que, numa primeira etapa, o investimento pouco se altera, porque há capacidade ociosa.
Essa conjetura é, no mínimo, estranha para quem postula, ao
mesmo tempo, a intensificação do
processo de substituição de importações e o aumento da capacidade produtiva destinada à exportação e ao abastecimento do
mercado interno. E, se o investimento aumentar, a demanda por
importações será naturalmente
ainda mais elevada.
Na atual conjuntura de grave
restrição externa, a elevação da
taxa de crescimento da economia
-acompanhada do aumento
virtuoso do investimento e do saldo comercial- deveria supor, como primeira condição, uma taxa
de expansão da demanda externa
maior do que o ritmo em que
avança a demanda doméstica.
O país marcou passo no que se
refere à sua pauta de exportações,
concentrando as receitas nos produtos cujas vendas crescem menos quando a demanda externa
aumenta (commodities agrícolas
e industriais) e tornando as exportações mais dependentes de
mercados e países (América Latina) que estão encalacrados na recessão e em problemas graves de
financiamento do balanço de pagamentos. Por isso mesmo, não é
fácil aumentar o grau de abertura
da economia a curto prazo.
A recente desvalorização cambial vai, é claro, melhorar essa situação: o real mais fraco estimula
as exportações e encarece as importações. Muita gente esquece,
no entanto, que as dificuldades
vão além do estímulo à produção
corrente e à ocupação da capacidade já instalada. A dilaceração
de algumas cadeias produtivas
pelo "real forte" e a estagnação
dos investimentos só serão reparadas com o aumento imediato
dos gastos na formação de nova
capacidade, o que vai reclamar
políticas adequadas de crédito e
outros estímulos. Sem essa providência, as taxas de crescimento
sonhadas vão "consumir" rapidamente as "sobras" de capacidade
na siderurgia, na petroquímica e
em outros insumos e exacerbar os
"buracos" nos setores de tecnologia avançada.
Estamos, portanto, trabalhando com a hipótese de um crescimento rápido do dispêndio agregado. Se isso é assim, a combinação entre crescimento elevado e
aumento do saldo comercial vai
impor um maior "vazamento" da
renda criada para os reservatórios de poupança voluntária ou
fiscal. Não se trata aqui de anuir
à tese da poupança macroeconômica como condição prévia para
o investimento. No caso em exame, a exigência de um aumento
na "taxa de poupança" tem a ver
com a necessidade de economizar
moeda forte e formar reservas
alentadas. Isso significa desenhar
caminho de expansão da economia em que o investimento e as
exportações comandem o espetáculo. O consumo cresce, mas a um
ritmo inferior ao do investimento
e ao da renda e abaixo do avanço
das exportações.
Dada a desigualdade distributiva vigente no país, o desejo de
combinar crescimento elevado e
aumento do saldo comercial só
pode ser satisfeito se houver: 1)
uma política muito agressiva de
exportações, 2) uma mudança na
composição da demanda doméstica (estimulando a construção
civil e a produção de bens populares com baixo conteúdo importado) e 3) uma política tributária e
de gasto público capaz de moderar a expansão do consumo das
camadas de alta renda na mesma
proporção em que permite o crescimento da renda dos mais pobres.
É bom não esquecer: a privatização dos serviços públicos, como
eletricidade, telefonia, água e esgoto, e a venda de grandes cadeias de lojas, supermercados e
outros negócios de prestação de
serviços vêm dando uma grande
contribuição para o rombo do balanço de serviços. Essas atividades
vendem e compram em moeda
nacional, em reais, mas remetem
lucros ao exterior em dólares.
Isso significa que o dinheiro que
entrou no país como investimento direto vai vazar permanentemente para o estrangeiro sob a
forma de remessas de rendimentos. Se a economia crescer 5% ao
ano, o déficit de serviços -incluído o pagamento de juros- poderá voltar rapidamente a mais de
US$ 25 bilhões nos próximos dois
anos.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 59, é professor
titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos
do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia
do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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