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LUÍS NASSIF
Fantasma, o espírito-que-anda
Apesar do cinema, da televisão, apesar dos computadores e videogames que surgiram nos últimos anos, tenho cá
para mim que a maior influência cultural que a juventude do
século 20 teve foram os quadrinhos. Nem me refiro aos infantis, que fizeram a glória de Disney e de Maurício de Souza,
mas aos épicos, que vieram para
substituir os livros de aventura
dos séculos anteriores.
Dos gibis da minha infância,
poucos tiveram a força e a fantasia de Fantasma, "o-espírito-que-anda".
Descendente de um náufrago
branco, que quatro séculos antes veio dar em uma praia de
Bengala, na África, depois que
piratas mataram seu pai e afundaram o navio em que viajavam, o Fantasma dos anos 50
era o 21º da linhagem.
Além do nosso personagem,
vez por outra os quadrinhos falavam do 16º Fantasma, o mais
forte de todos, uma lenda que se
sobrepunha à outra, do pai do
Fantasma, que foi morto por
um bandido e posteriormente
vingado pelo filho.
Todos os Fantasmas, quando
assumiam a titularidade, faziam um juramento sobre a caveira do assassino do primeiro
deles, prometendo batalhar para destruir "todas as formas de
pirataria, ambição e crueldade".
Os símbolos e características
do personagem eram fantásticos. Ele tinha dois anéis, um da
caveira (com que marcava o
queixo dos adversários com seus
murros) e outro da paz, que deixava uma tatuagem que funcionava como um passaporte, respeitado em toda selva.
Vivia na Caverna da Caveira,
em plena Floresta Negra, cercado por uma corte de pigmeus, e
era tratado como o homem que
nunca morria.
Conheceu Diana Palmer, filha
do professor Davidson, antropólogo famoso, tornou-se seu namorado e vez por outra ia visitá-la na cidade, vestindo apenas
uma capa, óculos escuros e um
chapéu.
Tudo para cobrir o uniforme
mítico, roxo no original, mas
que se transformou em vermelho na versão brasileira por problemas gráficos, e uma máscara
que nunca tirava. Diziam as
lendas que todo mundo que visse Fantasma sem a máscara
morreria.
À paisana, nosso herói se
transformava em Kit Walker,
mas só se sentia bem quando
voltava para a selva, onde era
aguardado, já na estação de
trem, por seu cavalo branco, Herói, pelo lobo Capeto e pelo chefe
dos pigmeus, Guran.
Creio que nenhum dos personagens em quadrinhos, e poucos
dos romances, reproduziu tão
bem o mito do homem selvagem. Havia Tarzan, é verdade,
algumas rainhas e princesas da
selva, mas o Fantasma era imbatível.
Tinha história, genealogia, tesouros fantásticos em uma caverna, o ritual de soberano da
selva, era branco em um continente negro -o que suscitava
críticas dos politicamente corretos-, mas só se sentia à vontade rodeado de seus pigmeus.
Quando visitava a cidade, todos os símbolos da "civilização"
ficavam inexpressivos, sem história, perto do homem que vivia
em uma caverna sem nenhum
formalismo, mas que tinha, entre seus tesouros, a taça de vinho
de Alexandre Magno e a coroa
de Cleópatra.
Desenhistas
Embora o quadrinho ainda
não tivesse sido erigido à condição de arte, a molecada comentava ávida os diversos desenhistas que emprestaram sua caneta
para compor o personagem.
O primeiro deles foi Ray Moore, um dos mais importantes da
história em quadrinhos. Depois,
veio Wilson McCoy, o que eu
mais gostava, e, nos anos 60, Sy
Barry, um clássico, e irmão de
Dan Barry, um dos grandes desenhistas de Flash Gordon.
Um dos assistentes de Sy Barry
tinha relação estreita com o
Brasil. Era André LeBlanc, nascido no Haiti em 1921 e falecido
nos Estados Unidos em 1998.
São deles os desenhos inesquecíveis da edição das histórias infantis de Monteiro Lobato que
herdei de meus pais.
Figura interessante esse LeBlanc. Além de ter ajudado Sy
Barry em Fantasma, nos anos
40 foi assistente de Will Eisner,
na série The Spirit, e também
desenhou Flash Gordon.
Mais tarde mudou-se para o
Brasil e ajudou a desenvolver a
indústria de quadrinhos por
aqui. É dele "O Guarani", de José de Alencar, que inaugurou a
série "Clássicos Ilustrados", da
Edição Maravilhosa. Depois,
quadrinizou quase todos os romances de José Lins do Rego e
muitos outros da editora Ebal.
Naqueles tempos de moleque,
só uma coisa me intrigava no
Fantasma.
Sendo ele tão forte, tão rápido
que os sucessivos desenhistas sequer conseguiram captar seu
murro, limitando-se a descrevê-lo com uma linha oval e depois
mostrar o rival desmaiado com
a marca da caveira no queixo,
que história é essa de que o 16º
Fantasma era mais forte? Sempre tive para mim que o 16º era
típico exagero de histórias em
quadrinhos.
E-mail -
LNassif@uol.com.br
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