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MUNDO REAL
Em um ano e meio, a SocialCred fez 1.106 empréstimos, num total de R$ 2,2 mi, para pequenos comerciantes
Microcrédito une opostos na Cidade de Deus
LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Nome e cenário do filme que estréia dia 30, Cidade de Deus é uma
imensa favela na periferia oeste
do Rio, onde predominam exclusão, violência e gente humilde na
luta pela sobrevivência.
Nesse universo prolifera um comércio miúdo, predominantemente informal, excluído do sistema financeiro, porém sempre em
crescimento.
Tanto que é ali que se concentra
a maioria dos clientes da SocialCred, a principal empresa de microcrédito do país e uma das que
desfrutam do programa de financiamento do BNDES para que se
criem sociedades de crédito ao
microempreendedor. Ela aproxima situações opostas na Cidade
de Deus: quem tem dinheiro a
oferecer de quem precisa dele para manter seu negócio.
O conceito do microcrédito surgiu em 1974 em Bangladesh, por
iniciativa do professor de economia Muhammad Yunus, 62. Naquele ano, ele emprestou o equivalente a US$ 27 a 42 mulheres.
Ganhou o apelido de "banqueiro
dos pobres". Quatro amigos moradores do Rio levaram a sério essa experiência de Yunus.
Os quatro, liderados por Rubens de Andrade Neto, 44, hoje
presidente da SocialCred, fundaram a empresa há pouco mais de
um ano e meio. "Emprestar dinheiro com juro baixo a quem
nem tem conta corrente é importante do ponto de vista da evolução da sociedade", diz Andrade.
Nesse tempo, a SocialCred fez
1.106 empréstimos, num valor total de R$ 2,2 milhões. O investimento até agora foi de R$ 400 mil.
Uma peça-chave desse negócio
é o agente de crédito, papel desempenhado na Cidade de Deus
por Sirlene Ferreira, 34. Ex-enfermeira, ela faz uso frequente da habilidade no trato pessoal para se
relacionar com os clientes, hoje
mais de uma centena. "Porque a
gente tem que orientar as pessoas,
ajudá-las a entender seu próprio
negócio para ver se vão conseguir
pagar o financiamento, e eu, para
ver se dá para conceder."
Assim é que Sirlene acaba se
tornando amiga dos clientes, como é o caso de Severina Luciano
Barbosa, 46. A história de Severina é exemplo da capacidade de
sobrevivência da população da
Cidade de Deus: ela foi mendiga,
aprendeu a fazer salgadinhos,
sanduíches e hoje é dona de um
restaurante modestíssimo, mas
que serve cerca de cem refeições
todos os dias. Quando vendia
sanduíches, conseguiu o primeiro
empréstimo com Sirlene (R$
500). Agora quer mais, para um
balcão frigorífico. "O movimento
aumentou, mas pode melhorar
ainda mais", diz ela na porta do
restaurante Pai das Luzes.
Quem também já pegou financiamento uma vez (R$ 1.000) e
quer repetir a dose é Sônia Regina
Gomes, 32, que comanda uma lojinha que vende pão, salsichas,
catchup, maionese etc., ou seja,
tudo o que é necessário para abastecer vendedores de cachorro-quente e outros sanduíches.
A venda de alimentos na Cidade
de Deus é um bom negócio, e o de
Zelina Pereira Narciso, 43, cresceu tanto que ela já encaminhou
seu terceiro pedido de empréstimo desde que deixou de ser balconista de uma lanchonete no
bairro do Grajaú e abriu a sua
própria na Cidade de Deus. Ela já
tomou R$ 500 e R$ 1.500, este o
mesmo valor do próximo, que
usará para comprar mercadorias
à vista, com preços melhores.
Mas roupa também dá dinheiro
no pequeno comércio da Cidade
de Deus e a loja "Meninos e Meninas", de Rosângela Olímpio dos
Santos, 36, é prova: para incrementar seu estoque de vestimenta
para bebês e crianças, ela pediu
R$ 500. Deve receber em breve.
E é verdade que gente de baixa
renda paga direito: das cerca de
cem pessoas que tomaram empréstimos na Cidade de Deus, só
duas estão inadimplentes.
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