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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Os candidatos e as sereias
LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO
Os programas econômicos
dos candidatos à Presidência da República proclamam a
necessidade de incrementar as exportações e de incentivar a substituição de importações. O objetivo
é gerar superávits comerciais e reduzir a dependência do financiamento externo, o que significa
resgatar a capacidade de encaminhar as políticas fiscal e monetária na direção do crescimento.
Nos próximos anos, a economia
brasileira terá de se libertar dos
humores da finança global. Não
será fácil para quem acumulou
passivo líquido externo superior a
US$ 400 bilhões.
Além das boas intenções, da
prudência e de muito engenho e
arte, o novo presidente deveria ter
à cabeceira a "Odisséia". Recomenda-se reler diariamente, especialmente a passagem em que
Ulisses, advertido por Circe, tapa
os ouvidos da tripulação e se
amarra ao mastro do navio para
resistir ao canto das sereias. Nos
tempos do neoliberalismo global,
elas vão continuar entoando o
canto mortal que celebra as excelências da desregulamentação financeira e da livre movimentação dos capitais.
Não se deve supor que os sucessivos desastres e as malfeitorias
produzidas pelos desmandos do
passado recente sejam capazes de
comover as lendárias criaturas.
Como as sereias de Homero,
anunciam maravilhas e promovem desgraças. A palavra de ordem para os navegantes da periferia é avançar nas "reformas" e,
se necessário, espalhar o terror
entre os que resistem.
Esse foi, lembro-me bem, o clima pré-eleitoral na Argentina em
1999. A economia já estrebuchava, golpeada pelas mudanças negativas nas condições de liquidez
internacional e por um regime
cambial e monetário assassino.
De la Rúa, eleito para salvar o
moribundo, tomou posse paralisado pelo medo. A sangria de dólares e de depósitos bancários empurrou o país para um sarcófago
imponente, erigido sobre os escombros do peso forte.
As viúvas e carpideiras do armínio-malanismo mostram-se pressurosas em prenunciar desastres,
evocam a Argentina como se os
desatinos do desditoso vizinho
não tivessem sido cometidos sob
inspiração do besteirol liberalóide
que devastou o subcontinente.
A experiência recente mostra
que os ciclos financeiros do final
do século 20 e do início do 21 são
curtos e de reversão muito rápida.
As economias periféricas ficam
expostas às ondas de otimismo e
pessimismo inerentes aos mercados "globalizados". Os relatórios
do BIS (Banco para Compensações Internacionais) revelam que
os surtos de liquidez -geralmente infiltrados via mercado interbancário- são seguidos de "crises de confiança" e de ajustamentos recessivos. Na era da integração e da liberalização financeiras,
as economias periféricas com elevada dependência do financiamento externo apresentam uma
trajetória penosa: baixas taxas de
crescimento em meio a flutuações
mais frequentes do produto e do
emprego.
No Brasil da década de 90, além
dos percalços cambiais, as "reformas" promoveram choques negativos na economia: primeiro, a
elevação dos custos gerais do sistema produtivo, resultado da privatização das empresas públicas
que ofertavam insumos gerais a
baixo custo, como energia, telecomunicações e transporte; segundo, foi desmantelada a articulação que sempre existiu no Brasil
entre investimento público e investimento privado; terceiro, a
"reestruturação produtiva" e a
desnacionalização tornaram as
importações mais "sensíveis" ao
crescimento do PIB. A transferência de ativos dos nacionais para
os estrangeiros ampliou significativamente o déficit na conta de
serviços, não bastassem os saldos
negativos com juros, fretes e viagens internacionais.
Se o próximo presidente está
apostando num crescimento de
4% do PIB (Produto Interno Bruto), certamente está esperando
um superávit comercial muito
menor do que os US$ 5 bilhões
que muitos estão antecipando
-se é que haverá algum. É muito
difícil -mesmo com câmbio flutuante- conseguir bons resultados na balança comercial sem
uma mudança na estrutura da
oferta interna, única providência
habilitada a conter, no longo prazo, o impulso da "nova" economia brasileira em importar insumos, peças, componentes e bens
de capital.
O ajustamento dos anos 80 -a
década perdida- foi pago pelo
povão, com a aceleração da inflação, mas não com a desorganização do sistema produtivo nacional e muito menos com as elevadas taxas de desemprego.
A diferença nos anos 90 é que
foi desfeita a sinergia que existia
entre o mercado e o Estado. As
privatizações e a desnacionalização acelerada da economia tiveram efeitos negativos sobre a governança da economia e sobre a
balança de transações correntes.
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, 59, é
professor titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi
chefe da Secretaria Especial de Assuntos
Econômicos do Ministério da Fazenda
(governo Sarney) e secretário de Ciência
e Tecnologia do Estado de São Paulo
(governo Quércia).
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