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OPINIÃO ECONÔMICA
Real, ano 8: um balanço
PAULO RABELLO DE CASTRO
O programa de modernização econômica contido no
chamado Plano Real atinge um
momento de consolidação e enfrenta o seu mais duro teste: o de
manutenção de curso, mesmo
diante de uma virada de poder.
Os brasileiros precisam que o Real
passe nesse teste. O futuro, os próximos dez anos estão em jogo.
Para entender o que o Real representou para a economia do
país, três palavras o resumem: estabilidade, liberdade e igualdade.
Nada explica melhor o Plano
Real do que a estabilidade da
moeda, conseguida e mantida, a
duras penas, nestes oito anos dos
dois mandatos de FHC.
O Brasil sempre foi um país inflacionista, descuidado de sua
moeda, infiel aos bons princípios
da preservação do valor do dinheiro, avesso à disciplina na
emissão dos meios de pagamento.
Aprendeu à custa de décadas de
superinflação, mas aprendeu
mais ainda ao sentir as vantagens
da moeda estável e de preços previsíveis na prateleira dos supermercados.
Qualquer governante que ferir o
princípio da estabilidade estará
fora em dois tempos. Esse é o
grande legado de FHC e de sua
equipe ao nosso país. Aliás, a própria estabilidade da equipe chefiada por Pedro Malan é um espelho disso.
Mas ganhamos também "liberdade". Talvez não tanto a liberdade civil, já que ir e vir, nas
grandes e médias cidades, é sempre sujeito ao encontro com uma
bala perdida... Mas, à parte esse
mal crônico dos nossos tempos
conflagrados, a liberdade econômica foi grandemente ampliada
no período FHC. Não consideremos só as eliminações de monopólios gravosos nas áreas de telefonia e energia elétrica. Falemos,
principalmente, da liberdade de
preços, paradigma do Plano Real,
que não congelou, mais liberou os
mercados, desde sua partida, em
julho de 1994, razão principal do
seu sucesso.
Falemos, no mesmo tom, da liberação do câmbio, fator essencial à superação da crise de 1998-99 e que, hoje, nos afasta das características da crise argentina.
A liberdade de preço e de câmbio foi determinante na produção
de uma "tábua verde" da estabilidade dos preços da alimentação.
A agricultura brasileira respirou
aliviada das intervenções absurdas produzidas no passado, até
recente, em que o governo ia confiscar bois no pasto dos pecuaristas aturdidos e revoltados.
Isso não é pouco avanço, assim
como a redução generalizada de
tarifas de importação do Brasil é
outro avanço monumental na direção da liberdade econômica.
Mas a marca registrada da modernização do período do Real é
certamente a "igualdade", para o
eventual protesto dos que consideram a estabilização e a abertura de mercados um modelo de
"desigualdade". Pelo contrário.
Nada equalizou mais as oportunidades do que o controle da inflação. Os recentes índices de desigualdade (Gini) calculados pelo
Ipea mostraram um recuo, se não
significativo, pelo menos sistemático das diferenças extremas de
renda no país. Os orçamentos públicos se tornaram mais confiáveis após a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que aponta uma redução da desigualdade -embora
persistente- entre os gastos crescentes do governo e os gastos contidos ou decrescentes das empresas e das famílias.
Estabilidade, liberdade e igualdade são mais necessários do que
nunca para resgatar a confiança
do público e dos mercados. O
avanço foi corajoso, mas desequilibrado e incompleto. Não haverá
estabilidade econômica a longo
prazo sem metas fiscais mais audaciosas em 2003. O governo está
perdendo o jogo no controle das
despesas públicas, apesar dos perigosos elogios do FMI e das metas atingidas de superávit primário. É decisivo estabelecer metas
de controle direto das despesas
nominais, em reais. O déficit corrente do setor público precisa ter
um controle predeterminado na
programação do governo. A extrema dependência financeira do
governo em relação aos mercados
precisa ser eliminada para que
caiam também as taxas de juros.
A estabilidade só será estável com
o estancamento da despesa pública explosiva dos dias de hoje.
A liberdade também deve ser
objeto de constante aperfeiçoamento. Hoje há setores regulados
que padecem de uma perspectiva
de retorno inadequado. O setor
de energia elétrica sofre indefinições da política do governo. Não
haverá liberdade sem regras claras, estáveis e confiáveis na relação entre governo e sociedade.
Por outro lado, há setores liberados convivendo com monopólios.
A aviação civil, um setor competitivo, ao exagero, convive com o
monopólio dos preços de combustíveis.
Porém nada é pior do que as injustiças decorrentes da desigualdade entre a mão-de-obra protegido pela CLT e os trabalhadores
informais. A era FHC não conseguiu espaço para a urgente revisão da ultrapassada e injusta legislação do trabalho.
Do mesmo modo, a previdência
básica, do setor privado, é desigualmente tratada em relação às
esbanjadoras e perdulárias aposentadorias do setor público. Essa
injustiça clamorosa ficou sem reparações. Uma reforma radical
da Previdência Social brasileira
se impõe na direção da capitalização das contribuições. Os pobres precisam ter o direito de acumular alguma coisa para seu próprio futuro. Não há igualdade
nem no quadro tributário brasileiro, nem no previdenciário,
muito menos no trabalhista.
Reforçar a estabilidade, aperfeiçoar a liberdade e buscar a igualdade é a agenda séria para o Real dar a volta por cima da próxima turbulência financeira.
Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - paulo@rcconsultores.com.br
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