São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Governo se debate com o petro-sal


Discussões que vazaram até agora são incongruentes. Após a cacofonia, governo vai aparecer com pacote fechado?

SE O governo pretendia evitar que a discussão sobre o petróleo transbordasse para o público, conseguiu. Não há debate possível em meio a tal turumbamba.
O que vaza das reuniões oficiais é uma mistura adúltera de modelos de exploração. Idéias econômicas incompatíveis a respeito do uso da eventual renda do petróleo. Incongruência entre meios e fins.
O mote luliano é a redenção pelo petróleo, que vai financiar a "reparação social". Num plano mais temporal, a idéia é interceptar a riqueza que pode fluir para particulares privilegiados. Não se trata, como se vê, de um caso de fins a justificar os meios. Os fins prescindem de meios: já está dado que a riqueza fluirá.
Tome-se o caso da nova estatal "pura", que causa celeuma mas que pode ser o menos importante. A estatal vai investir ou vai conceder áreas de exploração, como uma ANP do B ou do Sal? Se vai investir, o Tesouro banca ou faz dívida. Durante anos, o governo vai só gastar ou se endividar. Para que não seja assim, é preciso inventar um modo criativo e seguro de antecipar receita (em geral, tal antecipação conta como dívida). Quede esse modo?
Despesas e receitas serão inscritas na contabilidade pública, como se faz hoje com a Petrobras? Ou, como ora se planeja fazer com a Petrobras, tal dinheiro não vai mais entrar na "conta do superávit" (primário ou nominal, tanto faz)? Se no balanço das contas públicas não entrar o dinheiro de Petrosal e/ou Petrobras (que hoje cobre parte do rombo federal), o governo terá de cortar outro naco de gastos, por algum tempo.
Ou deixar a dívida crescer por outro tanto de anos: se tudo der certo, o petro-sal estréia na Copa de 2014. Isto é, no meio do arco-íris tem uma pedra: os investimentos necessários para chegar ao pote de ouro preto.
Quando e se a dinheirama da revenda do petróleo do sal entrar, vai para um fundo ou não vai? Se for usada para redimir de imediato a "dívida social", não vai para o fundo.
Se vai para um fundo (soberano ou outro), teria de render mais que o custo da dívida pública. De outro modo, seria como aplicar dinheiro a 5% e tomar um empréstimo a juros de 15%. Na Noruega, dá pé. Por aqui, não tão cedo, pois a dívida pública ainda vai custar muito caro.
Se o dinheiro não vai para o fundo, será gasto. A depender do ritmo do despesa, pode haver excesso de consumo (inflação ou déficit externo).
Se o petro-sal for um sucesso, renderá em dólares (de exportação). Para gastar, é preciso vender os dólares e valorizar o real, o que governo quer evitar. Como contrapeso cambial, poderia haver importação de equipamento de exploração e refino de petróleo. Mas a idéia não é incentivar a indústria nacional? E aí?
Se o investimento for privado, ou da Petrobras "independente" do Tesouro, o financiamento da exploração fica menos difícil, sob gerenciamento da Petro-Sal ou não. Mas, se o governo quer controlar o ritmo da extração e o destino do petróleo, o risco da empresa concessionária ou contratada cresce, o que torna mais custosa sua remuneração ou as afasta do negócio. Mas esse é um problema até menor que os anteriores.
Está muito bem debater o modelo e até revê-lo. Mas espera-se que, depois da cacofonia, o governo não apareça com um pacote fechado.

vinit@uol.com.br


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