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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Abertura financeira e taxa de juros
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
No "Treatise on Money",
Keynes afirma que, mesmo
em um ambiente regulado pelas
normas do padrão-ouro -com
livre movimentação de capitais e
taxas fixas de câmbio- "a taxa
de juros de um país é fixada por
fatores externos e é improvável
que o investimento doméstico alcance o nível de equilíbrio" (ou
seja, um valor compatível com o
melhor aproveitamento dos fatores de produção disponíveis).
Nos trabalhos preparados para
a Conferência de Bretton Woods,
Keynes foi além e chamou a atenção para as diferenças de "poderio financeiro" entre as economias nacionais e sua importância
na determinação de graus de liberdade na execução das políticas
monetárias. Ele apontava, na verdade, para a existência de uma
hierarquia entre os bancos centrais e as respectivas moedas nacionais.
As alterações ocorridas na estrutura da riqueza capitalista ao
longo das últimas três décadas
tornaram ainda mais complexa a
gestão monetária nos países de
moeda "fraca". Vou enumerá-las,
sem a pretensão de ser exaustivo:
1) o maior peso da riqueza financeira na riqueza total; 2) o poder
crescente dos administradores da
massa de ativos mobiliários (fundos mútuos, fundos de pensão e
seguros) na definição das formas
de utilização da "poupança" e do
crédito; 3) a generalização da
abertura das contas de capital,
dos regimes de taxas flutuantes e
da desregulamentação financeira; 4) as agências de classificação
de risco assumem o papel de tribunais, com pretensões de julgar
a qualidade das políticas econômicas nacionais.
A experiência recente parece
mostrar que os constrangimentos
sobre as políticas monetária e fiscal têm sido mais inflexíveis e duradouros no caso dos países que
abriram suas contas de capital,
surfaram nos ciclos de crédito externo e se tornaram amplamente
devedores em moeda estrangeira.
Ao contrário do que se julgava
no início da década de 90, a predominância do endividamento
privado em moeda estrangeira
não reduziu, mas, de fato, acentuou a vulnerabilidade externa,
tornando obsoleta a primeira geração de modelos que pretendiam
explicar as crises cambiais mediante a relação entre déficits fiscais, excesso de absorção doméstica e déficits em conta corrente.
Daí duas consequências: 1) não
é recomendável a adoção de regimes cambiais "extremos" (taxa
fixa ou livre flutuação); 2) os bons
"fundamentos" fiscais (sobretudo
a dinâmica da dívida pública interna) podem reduzir substancialmente os prêmios de risco,
mas não eliminam -nos países
periféricos mais dependentes de
financiamento externo- o prêmio de liquidez na formação das
taxas de juros domésticas.
O controle da liquidez em moeda forte é, portanto, crucial para
a sempre precária combinação
entre estabilidade e crescimento
nas economias de moeda não-conversível. Queiram ou não os
ideólogos do livre-cambismo, essa
circunstância representa uma limitação importante nos processos
de abertura da conta de capitais.
O montante relativamente elevado de reservas que os bancos centrais são obrigados a manter para
assegurar a estabilidade da taxa
de câmbio e condições adequadas
de crédito interno é um indicador
claro da impossibilidade da flutuação cambial pura.
As tendências à apreciação ou
depreciação do real dependem,
no curto prazo, em condições de
abertura financeira, do fluxo e refluxo de capitais internacionais e
do maior ou menor descasamento de ativos e passivos em dólar
dos bancos, empresas e rentistas
sediados no Brasil. Por sua vez, a
relação dívida/PIB -adotada como meta com o Fundo Monetário
Internacional- varia com as taxas de juros e de câmbio que determinam, em primeira instância, a dinâmica da dívida pública. Trata-se, portanto, de uma relação volátil, cuja tentativa de redução, convertida em meta com o
FMI, torna draconiana a execução da política fiscal. Sua redução, com juros altos, crescimento
baixo e elevada necessidade de financiamento externo exige sempre superávits primários fiscais
elevados e o encolhimento relativo, quando não absoluto, dos gastos sociais.
Alguns países periféricos, como
a China e a Índia, preferiram
manter controles seletivos de
câmbio e de capitais e acumular
saldos comerciais (e reservas) elevados em moeda-reserva com o
propósito de não perder o controle sobre a taxa de juros doméstica.
Os estudiosos que se dispõem a
avaliar os efeitos dos controles de
capitais sobre o crescimento econômico nas economias emergentes não têm sido capazes de fazer
um juízo definitivo. Os resultados
econométricos são, na verdade,
ambíguos. As condenações peremptórias dessas práticas
-apontadas como geradoras de
ineficiência alocativa- partem
mais frequentemente de doutrinadores e ideólogos do livre mercado, sem uma base empírica sólida.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 60, é professor
titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos
do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia
do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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