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São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Neoliberalismo se acentua na crise da globalização

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Uma crise de proporções catastróficas se abateu, ao longo dos últimos cinco anos, sobre os países cuja política econômica mais fielmente seguiu o modelo neoliberal. A ideologia econômica neoliberal, no entanto, saiu fortalecida.
O sociólogo Pierre Bourdieu definiu a "essência" do neoliberalismo como sendo a destruição metódica de tudo o que é coletivo, mesmo (ou até principalmente) quando aborda problemas eminentemente sociais.
Todas as políticas de desregulamentação, privatização e flexibilização de contratos sociais compartilham essa essência negativa, cuja contrapartida supostamente positiva seria o surgimento de um mercado puro. Ocorre uma universalização absoluta da oposição entre respeito ao mercado e toda e qualquer outra lógica coletiva (do "cluster" industrial à Nação, passando por sindicatos e ONGs). A utopia subjacente é a mais ampla e desimpedida movimentação de capitais pelo globo.
As novas tecnologias e mídias digitais contribuem para essa associação entre mobilidade máxima e acumulação de capital e poder cada vez mais concentrado em escala internacional. O circuito onde esse "efeito de rede" mais ganhou destaque sempre foi o mercado financeiro, mas a tendência é muito mais ampla.
No ano passado, uma pesquisa indicou o "efeito de rede" como fator crítico para o lucro e a dominação de mercado das empresas de alta tecnologia. Elaborado pela consultoria Deloitte Touche Tohmatsu, o estudo revela que empresas de alta tecnologia, para crescer, aumentar a rentabilidade e dominar mercados, precisam maximizar o "efeito de rede".
Esse "fator de mercado" está na base de um enfoque denominado Hipercrescimento Para Sobrevivência - Relatório sobre Práticas da Indústria de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações. O efeito é simples de entender: é a tendência de um produto ou serviço de alta tecnologia aumentar de valor à medida em que o número de usuários ou empresas complementares aumentam.
Um exemplo concreto é a abertura do setor de mídia para o capital estrangeiro. O fluxo de conteúdo e os padrões de uso das redes globais tenderiam, segundo o estudo, a aumentar a concentração de poder global sobre mentes e corações.
No Brasil, um dos poucos militantes e pesquisadores que alertou para esses riscos foi Jair Borin, jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, falecido na semana passada. Borin dizia que novidades como a TV digital podem ser a ponta do iceberg num processo renovado de colonização cultural e indicavam outras tendências econômicas associadas ao surgimento de novas mídias.
Ele estimava o mercado midiático brasileiro como uma oportunidade de U$S 20 bilhões, com base no tamanho da população, na cobrança por maior alfabetização (ampliando o mercado consumidor) e na diversificação de produtos e serviços (mídia não é só informação, mas agrega vendas de serviços em grande escala).
Servindo como suporte e ao mesmo tempo como alvo dos "efeitos de rede", a mídia é sensível aos argumentos neoliberais (que acentuam ainda mais o processo de concentração).
Não é portanto absurdo que, justamente diante de sinais evidentes do seu fracasso do ponto de vista social, do desenvolvimento humano e da diversidade cultural, a ideologia neoliberal se apresente com mais força ainda. Na visão à la Bourdieu-Borin, está em curso a realização de sua própria essência.


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