São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Saídas: a falsa e a verdadeira

LUCIANO COUTINHO

E m meio à tormenta que se abate sobre os mercados mundiais de capitais, com graves reflexos negativos sobre o Brasil, parece incrível, mas ainda persiste em esferas ortodoxas a visão de que a solução macroeconômica brasileira reside na sustentação "ad aeternum" de um superávit fiscal elevado -tão elevado quanto necessário para evitar uma explosão da dívida pública. Por trás dessa visão estão dois supostos tão indesejáveis quanto inaceitáveis: 1) que a nossa taxa real de juros não poderá cair tão cedo; 2) que, tampouco, será possível desdolarizar a dívida pública (hoje em quase 40%!). Em outras palavras, prega-se o inglório combate aos efeitos sem que se ataque a causa do problema.
A causa está no déficit externo em conta corrente, o fulcro da vulnerabilização da economia brasileira. Esse déficit ganhou uma dimensão estrutural, dada pelo alto estoque de obrigações acumuladas em moeda estrangeira (dívidas pública e privada, estoque de investimento estrangeiro no país habilitado a remeter lucros, dividendos e outras rendas), que geram um fluxo negativo na conta de serviços superior a US$ 20 bilhões/ano.
A única forma de reduzir a vulnerabilidade da economia, criar condições de solvência em moeda forte e induzir uma queda consistente do risco Brasil é obter um superávit comercial expressivo (superior a 2% do PIB) ao longo do tempo. O convencimento por parte dos mercados de que a trajetória do superávit comercial será efetivamente persistente e crescente é fundamental para uma queda segura, significativa e não reversível da taxa de juros doméstica.
A queda segura e não reversível da taxa de juros doméstica é a única opção consistente para assegurar o equilíbrio fiscal intertemporal (estabilização da relação dívida/PIB em um patamar aceitável), posto que uma ampliação ainda maior do superávit fiscal (já prometido para 2003 em 3,75% do PIB) se tornará insustentável do ponto de vista político e social. Durante um período transitório será necessário manter ou até aumentar esse superávit, mas isso deve ser entendido como um expediente precário e emergencial.
O verdadeiro robustecimento cambial e fiscal da economia transita pela obtenção de um superávit comercial crescente e pela queda da taxa de juros doméstica -criando, assim, condições firmes para o crescimento regular e mais veloz da economia.
A pergunta relevante, então, é: o regime de flutuação cambial é "per se" suficiente para acelerar o ajuste do déficit externo? A resposta parece ser negativa. Todas as simulações realistas das contas externas e das finanças internas indicam, inequivocamente, que as trajetórias lentas e gradualistas tendem à insustentabilidade. A persistência de um déficit externo ainda elevado por alguns anos, com queda parcimoniosa da taxa de juros, levam a alto risco de default interno e externo. Infelizmente os mercados não esperam o desenrolar de trajetórias insustentáveis para mudar de opinião. Ao contrário, tendem a antecipar e a inverter os fluxos de financiamento de forma contundente, muitas vezes provocando -eles mesmos- profecias auto-realizáveis que obrigam os devedores a defaults involuntários.
A conjuntura atual é prova irretorquível. O Brasil vive nas últimas semanas um grave episódio de restrição de acesso ao crédito e aos capitais externos. Os bancos estrangeiros já decidiram reduzir substancialmente o peso do Brasil em suas carteiras de crédito e de ativos. Não há, salvo sob condições especiais, rolagem da dívida privada externa sob a forma de bônus. Pesa, ainda, o risco de uma aceleração de remessas de divisas ao exterior por parte de investidores inquietos. O presidente do BC já pleiteia ao FMI um acordo de transição para evitar uma crise cambial imediata. Lamentável. É um mal menor, mas desde que se tire a lição correta. É urgente correr contra o tempo e concentrar todas as energias em busca de um grande e persistente superávit comercial. O atual governo deveria começar desde já a tomar medidas de envergadura. Em trabalhos recentes, a AEB e a CNI (1) encaminham propostas claras e concretas para uma política pró-ativa de comércio exterior. Além de manter o câmbio flutuante em base realista, esses trabalhos apontam providências urgentes nas seguintes esferas: desoneração tributária das exportações e desmonte do viés tributário pró-importação, ampliação dos recursos e melhoria das condições de financiamento às exportações, desburocratização aduaneira, implementação do seguro de crédito, reforço à promoção comercial e investimentos urgentes em melhoria da logística.


(1) Vide "Bases e Fundamentos para uma Política de Comércio Exterior", Associação de Comércio Exterior do Brasil. AEB, Rio de Janeiro, junho de 2002 (texto elaborado para o Fórum Especial 2002 do Inae) e "Os Problemas da Empresa Exportadora Brasileira", CNI, Brasília, maio de 2002.


Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).


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