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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Saídas: a falsa e a verdadeira
LUCIANO COUTINHO
E m meio à tormenta que se
abate sobre os mercados
mundiais de capitais, com graves
reflexos negativos sobre o Brasil,
parece incrível, mas ainda persiste em esferas ortodoxas a visão de
que a solução macroeconômica
brasileira reside na sustentação
"ad aeternum" de um superávit
fiscal elevado -tão elevado
quanto necessário para evitar
uma explosão da dívida pública.
Por trás dessa visão estão dois supostos tão indesejáveis quanto
inaceitáveis: 1) que a nossa taxa
real de juros não poderá cair tão
cedo; 2) que, tampouco, será possível desdolarizar a dívida pública (hoje em quase 40%!). Em outras palavras, prega-se o inglório
combate aos efeitos sem que se
ataque a causa do problema.
A causa está no déficit externo
em conta corrente, o fulcro da
vulnerabilização da economia
brasileira. Esse déficit ganhou
uma dimensão estrutural, dada
pelo alto estoque de obrigações
acumuladas em moeda estrangeira (dívidas pública e privada,
estoque de investimento estrangeiro no país habilitado a remeter
lucros, dividendos e outras rendas), que geram um fluxo negativo na conta de serviços superior a
US$ 20 bilhões/ano.
A única forma de reduzir a vulnerabilidade da economia, criar
condições de solvência em moeda
forte e induzir uma queda consistente do risco Brasil é obter um
superávit comercial expressivo
(superior a 2% do PIB) ao longo
do tempo. O convencimento por
parte dos mercados de que a trajetória do superávit comercial será efetivamente persistente e crescente é fundamental para uma
queda segura, significativa e não
reversível da taxa de juros doméstica.
A queda segura e não reversível
da taxa de juros doméstica é a
única opção consistente para assegurar o equilíbrio fiscal intertemporal (estabilização da relação dívida/PIB em um patamar
aceitável), posto que uma ampliação ainda maior do superávit
fiscal (já prometido para 2003 em
3,75% do PIB) se tornará insustentável do ponto de vista político
e social. Durante um período
transitório será necessário manter ou até aumentar esse superávit, mas isso deve ser entendido
como um expediente precário e
emergencial.
O verdadeiro robustecimento
cambial e fiscal da economia
transita pela obtenção de um superávit comercial crescente e pela
queda da taxa de juros doméstica
-criando, assim, condições firmes para o crescimento regular e
mais veloz da economia.
A pergunta relevante, então, é:
o regime de flutuação cambial é
"per se" suficiente para acelerar o
ajuste do déficit externo? A resposta parece ser negativa. Todas
as simulações realistas das contas
externas e das finanças internas
indicam, inequivocamente, que
as trajetórias lentas e gradualistas tendem à insustentabilidade.
A persistência de um déficit externo ainda elevado por alguns
anos, com queda parcimoniosa
da taxa de juros, levam a alto risco de default interno e externo.
Infelizmente os mercados não esperam o desenrolar de trajetórias
insustentáveis para mudar de
opinião. Ao contrário, tendem a
antecipar e a inverter os fluxos de
financiamento de forma contundente, muitas vezes provocando
-eles mesmos- profecias auto-realizáveis que obrigam os devedores a defaults involuntários.
A conjuntura atual é prova irretorquível. O Brasil vive nas últimas semanas um grave episódio
de restrição de acesso ao crédito e
aos capitais externos. Os bancos
estrangeiros já decidiram reduzir
substancialmente o peso do Brasil
em suas carteiras de crédito e de
ativos. Não há, salvo sob condições especiais, rolagem da dívida
privada externa sob a forma de
bônus. Pesa, ainda, o risco de
uma aceleração de remessas de
divisas ao exterior por parte de
investidores inquietos. O presidente do BC já pleiteia ao FMI
um acordo de transição para evitar uma crise cambial imediata.
Lamentável. É um mal menor,
mas desde que se tire a lição correta. É urgente correr contra o
tempo e concentrar todas as energias em busca de um grande e
persistente superávit comercial. O
atual governo deveria começar
desde já a tomar medidas de envergadura. Em trabalhos recentes, a AEB e a CNI (1) encaminham propostas claras e concretas para uma política pró-ativa
de comércio exterior. Além de
manter o câmbio flutuante em
base realista, esses trabalhos
apontam providências urgentes
nas seguintes esferas: desoneração tributária das exportações e
desmonte do viés tributário pró-importação, ampliação dos recursos e melhoria das condições de financiamento às exportações, desburocratização aduaneira, implementação do seguro de crédito, reforço à promoção comercial
e investimentos urgentes em melhoria da logística.
(1) Vide "Bases e Fundamentos para uma
Política de Comércio Exterior", Associação de Comércio Exterior do Brasil. AEB,
Rio de Janeiro, junho de 2002 (texto elaborado para o Fórum Especial 2002 do
Inae) e "Os Problemas da Empresa Exportadora Brasileira", CNI, Brasília, maio de
2002.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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