|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MUITO ALÉM DO ORÇAMENTO
Com ajuda de bancos, municípios obtêm empréstimos em nome de seus próprios empregados
Prefeitura usa funcionário para se endividar
ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
Operações de crédito oferecidas
por bancos abriram uma brecha
para que municípios e ao menos
um Estado driblem a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A Folha apurou que é crescente
o número de administrações públicas que, para financiarem seus
caixas, simulam empréstimos a
seus funcionários por meio de
convênios com bancos.
Fazem ou fizeram isso o governo de Mato Grosso do Sul, os municípios de Cuiabá -capital de
Mato Grosso-, Laguna e Itapema, ambos em Santa Catarina.
Utilizados como intermediários
nessas operações, alguns desses
funcionários foram especialmente prejudicados: tiveram seus nomes incluídos no SPC (Sistema de
Proteção ao Crédito) porque os
empréstimos acabaram não sendo pagos por seus empregadores.
Os esquemas montados por
prefeituras e governos estaduais
começaram a ser adotados com
mais frequência depois de 2000,
quando foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que
estabeleceu limites para o endividamento dos governos.
Proibidos de contrair empréstimos para pagamento de salários,
governos têm encontrado nessas
operações uma saída para se endividar, driblando a legislação.
Quando não têm caixa para pagar salários, muitas vezes já atrasados, as administrações "oferecem" duas opções a seus empregados: ficam sem salários ou aceitam contrair empréstimos bancários em seus próprios nomes.
Informalmente, os funcionários
recebem a promessa de que os
empréstimos e os juros serão pagos mais tarde pelas prefeituras
ou pelos governos. O financiamento é firmado por meio de
CDCs (Créditos Diretos ao Consumidor).
"Se o real devedor é o governo, a
operação feita em nome do funcionário caracteriza uma simulação de negócio jurídico. Além de
representar um drible na LRF, isso fere os princípios da legalidade
e da moralidade previstos no artigo 37 da Constituição Federal",
diz Marcos Antônio da Nóbrega,
advogado especializado em direito administrativo público.
Como pagar
As operações são elaboradas em
detalhes. Depois de emprestar o
dinheiro, os bancos recebem as
prestações de duas formas distintas. Alguns contratos prevêem o
débito automático, feito diretamente pelo banco na conta do
funcionário público. O governo,
nesses casos, deposita mais tarde
um valor "extra" na conta do empregado, equivalente às prestações dos empréstimos.
Quando o método funciona tal
como planejado, o governo acaba
honrando as despesas contraídas
em nome de seus empregados
-incluindo juros e a CPMF
(Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira).
Na prática, no entanto, isso nem
sempre ocorre. Nos municípios
de Laguna e de Itapema, funcionários públicos acabaram inscritos nas listas negras de devedores
depois que as prefeituras deixaram de pagar ao banco as prestações.
Esses dois casos mostram que,
embora prefeituras e governos estaduais assumam verbalmente a
responsabilidade pela quitação
dos empréstimos, todo o risco da
operação é do empregado que,
além de ficar com seu limite de financiamento quase sempre estourado, pode terminar inadimplente caso o governo não cumpra sua parte no acordo.
Em outros casos, os próprios
funcionários têm sido obrigados a
arcar com os custos da CPMF.
É o que ocorreu em Cuiabá, numa operação firmada em 2002
que gerou obrigação tributária
em nome dos empregados.
Para evitar o pagamento da
CPMF por seus funcionários, outras administrações, como a do
Estado de Mato Grosso do Sul,
comprometeram-se com o banco
que concedeu o financiamento a
"descontar" as prestações diretamente da folha de pagamento.
Por meio dessa estratégia, o Estado devolve o empréstimo diretamente ao banco. Com isso, escapa da cobrança do tributo por
uma razão legal: a Constituição
proíbe o governo federal, Estados
e municípios de cobrarem tributos uns dos outros.
Texto Anterior: Painel S.A. Próximo Texto: Cuiabá usou sistema para pagar oito folhas salariais Índice
|