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INVESTIMENTO
Arrecadação de tributos pode virar garantia para atrair iniciativa privada em projetos de infra-estrutura
Estado pode bancar risco de parceria em obra
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Nem totalmente público nem
totalmente privado. Vem aí um
novo modelo de obras e serviços
no país em que a iniciativa privada poderá contar até com uma
parcela da arrecadação de tributos para garantir retorno a seus
investimentos. O exemplo de
"empurrão" do Estado foi citado
pelo economista Fernando Haddad, assessor especial do Ministério do Planejamento e responsável pela construção do projeto.
Nos próximos dias, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva submeterá à consulta pública um projeto
de lei cujo objetivo é atrair a iniciativa privada para investimentos em infra-estrutura considerados estratégicos ao país. A seguir,
a proposta irá para o Congresso.
O risco da iniciativa privada nos
investimentos vai variar caso a caso. "Há setores em que a transferência de risco poderá ser maior
porque a atratividade é maior. Em
segmentos muito pouco atrativos,
pode haver uma modelagem de
risco zero", adianta Haddad.
Risco zero significa retorno garantido ao empresário, não por
tarifas pagas pelos usuários dos
serviços e obras, mas pelo Estado.
As duas mais importantes leis
que regulam as relações do Estado
com a iniciativa privada -a das
licitações e a das concessões- serão "flexibilizadas", explica Haddad, para abrir caminho às parcerias público-privadas, as PPPs.
Elas serão responsáveis por
grande parte dos R$ 36,28 bilhões
de investimentos privados com
que o governo conta nos próximos quatro anos na área de infra-estrutura. O PPA (Plano Plurianual) já prevê parcerias para a
universalização dos serviços de
energia elétrica e a construção de
hidrelétricas, ferrovias e rodovias.
Folha - Por que dizer que as PPPs
marcam a volta do Estado, se elas
surgem para contornar a falta de
dinheiro público e para ajudar os
investimentos privados?
Fernando Haddad - Há uma mudança na relação que se verifica
historicamente entre público e
privado no Brasil. No modelo antigo, o administrador público
simplesmente licitava a obra que
lhe aprouvesse. Quando o Estado
passa a não ter condições de financiar as obras, o sinal é invertido. A preocupação com o usuário
ficou diminuída diante de outros
objetivos. Mas o problema fiscal
não foi resolvido, e o patrimônio
foi transferido ao setor privado.
As parcerias vão ocorrer porque
as partes precisam uma da outra.
O setor público passa a ver os recursos disponíveis na postura de
um empreendedor, mais do que
como proprietário. Mas também
o empresário terá de deixar de lado o imediatismo para ter uma visão de médio e longo prazos.
Folha - As parcerias serão capazes
de atrair a iniciativa privada sem
tornar o custo dos projetos proibitivo para o Estado? Sem fazer com
que o contribuinte pague mais?
Haddad - Essa é a forma pela
qual você garante com mais qualidade os direitos do contribuinte e
do destinatário do serviço público. Deixa de ser uma relação tradicional em que, tendo o Estado
dinheiro para me remunerar, eu,
empresário, entro.
Folha - Mas esse empurrãozinho
que se quer dar aos investimentos
privados não pode ser um mal negócio para o Tesouro?
Haddad - Tudo depende do gestor. Mas é um erro enquadrar a
PPP exclusivamente do ponto de
vista da falta de recursos públicos.
Até porque, se você não tem recursos, basta seguir privatizando.
Folha - Elas não chegaram perto
do limite?
Haddad - Não, há várias estradas, por exemplo, a serem concedidas. E as PPPs não concorrem
com as concessões. Elas vão ocorrer quando o usuário, por meio da
tarifa, tiver como custear o investimento. Mas há casos diferentes,
de estradas que podem ser duplicadas para estimular a presença
do turista estrangeiro no Brasil.
Folha - Vai ser preciso mudar as
leis de licitação e de concessão?
Haddad - Essas leis não serão alteradas, mas flexibilizadas em
pontos específicos. A lei de concessões impede o aporte de recursos orçamentários para contraprestação de um determinado
empreendimento. E alguns deles
exigirão aporte de recursos orçamentários até que o empreendimento desmame.
A concessão doutrinariamente
exige uma tarifa, e as parcerias
público-privadas admitem a possibilidade de você sustentar a obra
ou serviço com recursos que não
sejam propriamente tarifários. A
lei de licitações tem o problema
do prazo. Os contratos estão limitados a cinco anos, um bom prazo
para as relações tradicionais. Esse
é um dos pontos que estamos dependendo de mais conversas para
bater o martelo. A questão da forma de pagamento também tem
de ser flexibilizada para contemplar as experiências de PPPs. A lei
estabelece regras muitos rígidas
para efetuar medições e pagamentos dos serviços prestados.
Folha - E há algum tipo de garantia de retorno mínimo para os investimentos da iniciativa privada?
Haddad - Essa é uma questão
importante. O quanto de risco você vai transferir ao parceiro privado. O que o projeto pretende não
é estabelecer a priori a parcela de
risco transferível. Vai depender
de cada projeto. Vamos pegar a
área de minas e energia, um setor
que, pelos erros cometidos no
passado, entrou em colapso. A solução foi um modelo, no caso da
geração, onde o risco é diminuído. O investidor tem risco reduzido para viabilizar os investimentos, que são de milhões. No caso,
você garante a compra da produção da hidrelétrica e reduz o risco.
Folha - De maneira geral, o risco
vai ser dividido entre a iniciativa
privada e o Estado?
Haddad - A União terá de fazer
uma análise projeto a projeto. Em
segmentos pouco atrativos, pode
haver uma modelagem de risco
zero. As engenharias jurídicas e financeiras terão de atender aos casos específicos.
Folha - Após aprovada a lei, quais
os primeiros projetos que poderão
ser viabilizados por parcerias?
Haddad - O PPA já sinalizou onde há possibilidade de parcerias e
vai depender muito da análise dos
ministérios envolvidos. A lei não
poderia legislar só para a União,
ela dará condições para o administrador público de uma maneira geral adotar essa cultura. Na
verdade são cinco ingredientes
que podem ser combinados.
Folha - Quais são eles?
Haddad - Você não está criando
nada novo, só autorizando a combinação de modalidades contratuais já admitidas pelo direito administrativo: a alienação, a locação, o arrendamento, a contratação de obra para a prestação de
serviço público e a construção de
obra para exercer atividade de incumbência da administração pública. Esses são os ingredientes.
Folha - O projeto vai conseguir estimular o investimento privado,
que parece arredio no momento?
Haddad - Há uma pressão grande do empresariado por esse instrumento. Há uma expectativa
natural porque os juros estão
caindo e o investidor passa a considerar outras hipóteses de investimento que não a compra de títulos do Tesouro.
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