São Paulo, domingo, 29 de setembro de 2002

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ARTIGO

Superávit comercial, juros internos e câmbio

TOMÁS MÁLAGA
MATÍAS GRANATA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Como reduzir a taxa de juros no Brasil? Quem fizer essa pergunta e resolver procurar a resposta nos programas dos principais candidatos à Presidência pode se surpreender com o tom unânime das respostas. Todos dizem que o caminho para a queda dos juros passa pelo aumento do superávit comercial externo ou pela redução do déficit em transações correntes. Mas a resposta soa estranha. Afinal, qual é a relação entre déficit externo e juros internos?
A teoria econômica elementar nos diz o contrário: diminuir o déficit externo sem aumentar a poupança interna significa reduzir a oferta de crédito interno, o que levaria a uma elevação da taxa de juros, e não a uma queda, como prometem os candidatos.
O juro, como sabemos, é o preço do crédito: quanto as instituições financeiras cobram para emprestar dinheiro. Os bancos não fabricam crédito do nada; eles canalizam a poupança (renda menos consumo) dos brasileiros e dos estrangeiros para quem demanda esses recursos, como governo, empresas e consumidores.
Parece, então, difícil encontrar a razão que levou políticos de tendências tão distintas a uma mesma conclusão. Arriscamos uma explicação para a coincidência: o alto nível do risco externo brasileiro, medido pelo risco-país, é associado ao relativamente baixo saldo comercial do Brasil.
Essa é uma idéia bastante original, já que não há sustentação teórica nem evidência empírica nesse sentido. Vamos, porém, assumir que essa hipótese seja verdadeira. De acordo com os candidatos, o aumento do saldo comercial leva a uma queda do risco-país, o que, por sua vez, derruba os juros internos. Em outras palavras, os juros internos caem quando a conta corrente melhora. Se for verdade, há uma relação negativa entre os juros internos e a taxa real de câmbio: quanto mais desvalorizado o câmbio, maior será o saldo comercial e o resultado da conta corrente e, segundo os programas de governo dos candidatos, menor será o risco-país.
Mas esse não é o fim da história, porque, a princípio, é preciso manter a estabilidade da moeda. Isso requer que a demanda pelo produto nacional seja compatível com a oferta. Se um aumento do superávit comercial é promovido com políticas que causam expressiva desvalorização cambial, é preciso conter a demanda doméstica na mesma proporção. E isso só pode ser alcançado mantendo os juros internos elevados. Ou seja, o controle da inflação requer que, se o câmbio se desvalorizar muito, a taxa de juros deve subir.
O produto nacional é limitado: ou o consumimos internamente ou o exportamos. Qualquer tentativa de lograr ambos os resultados, sem um aumento prévio da produção, levará inevitavelmente a pressões inflacionárias.
Em outras palavras, as propostas dos candidatos de manter a inflação controlada e, simultaneamente, gerar saldos comerciais maiores, não parecem, ao menos no curto prazo, muito coerentes. Todo intento de incrementar o saldo da balança comercial a partir de desvalorização cambial, se não for acompanhada por incremento nos juros, terminará em maiores pressões inflacionárias.
O investimento bruto, que chega a 21,5% do PIB, e o déficit público das contas nacionais, de 2% do PIB, requerem um financiamento de 23,5% do PIB. A poupança nacional -19% do PIB- não é suficiente para financiar isso. A diferença entre o que país pode financiar com recursos próprios (19% do PIB) e o que tem de ser financiado (23,5% do PIB) deve ser coberta com o déficit em conta corrente (4,5% do PIB). Então, é fundamental uma poupança externa de 4,5% do PIB. Se o nível dela cair, sem antes elevar a poupança doméstica, há o risco de que o processo inflacionário volte. E isso precisa ser evitado.

Política comercial e juros
Existem duas estratégias distintas de política comercial. A primeira visa reduzir ou substituir as importações. Para isso, tende a aumentar tarifas de importação ou a fixar normas para produtos importados. Nesse caso, a economia fica mais ineficiente, e o controle da inflação, mais difícil. O resultado pode ser um juro maior ou a volta de um processo inflacionário. Esse foi o tipo de política implementado durante os anos 80 e o princípio dos 90, até a abertura comercial com o Real.
A segunda estratégia visa a aumentar o fluxo de comércio: mais exportações e mais importações. Essa política incrementa a inserção da economia brasileira no mundo, reduzindo os custos de produção domésticos, tornando mais fácil o controle inflacionário e possibilitando um novo equilíbrio com juros menores e câmbio mais desvalorizado.
Portanto, no que diz respeito à política comercial a ser implementada, se o que se pretende é reduzir os juros e manter a inflação controlada, a teoria econômica mostra que uma maior inserção internacional é claramente mais vantajosa que uma política de substituição de importações.
As propostas dos candidatos não são somente refutáveis a partir da teoria econômica. Países do Sudeste Asiático, assim como o México e o Chile, que anos atrás já decidiram se abrir ao comércio internacional, conseguem hoje financiamento externo a taxas de juros relativamente baixas e convivem com inflação controlada.
Como explicitado antes, não há evidência de correlação negativa entre risco e superávit comercial: não há evidência de que superávits comerciais maiores venham a ser acompanhados por níveis de risco menores. Por outro lado, existe uma correlação negativa entre fluxo comercial e risco. Em geral, países com risco inferior a 600 pontos apresentam fluxo comercial superior a 50% do PIB. Mais ainda: países com fluxo inferior a 40% do PIB apresentam taxa de risco que vai de não menos que 400 a mais de 2.000 pontos.

Superávit fiscal, o remédio
O segundo tipo de política é bastante desejável por motivos microeconômicos. Estamos levantando aqui só mais uma vantagem macroeconômica. As propostas que os candidatos apresentaram em seus programas para reduzir os juros dificultariam a estabilidade monetária. Uma maior integração com a economia mundial, a partir de políticas que incentivem a abertura comercial, pode ser uma solução. Mas, em política econômica, os remédios surtem melhores efeitos quando são mais diretos: um aumento do superávit primário teria efeito mais eficaz sobre os juros, já que conseguiria elevar imediatamente a poupança doméstica a níveis compatíveis com o investimento, levando a taxas de juros menores.


Tomás Málaga é economista-chefe e Matías Granata, economista-sênior do banco Itaú.


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