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ARTIGO
Superávit comercial, juros internos e câmbio
TOMÁS MÁLAGA
MATÍAS GRANATA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Como reduzir a taxa de
juros no Brasil? Quem fizer
essa pergunta e resolver procurar
a resposta nos programas dos
principais candidatos à Presidência pode se surpreender com o
tom unânime das respostas. Todos dizem que o caminho para a
queda dos juros passa pelo aumento do superávit comercial externo ou pela redução do déficit
em transações correntes. Mas a
resposta soa estranha. Afinal, qual
é a relação entre déficit externo e
juros internos?
A teoria econômica elementar
nos diz o contrário: diminuir o
déficit externo sem aumentar a
poupança interna significa reduzir a oferta de crédito interno, o
que levaria a uma elevação da taxa
de juros, e não a uma queda, como prometem os candidatos.
O juro, como sabemos, é o preço do crédito: quanto as instituições financeiras cobram para emprestar dinheiro. Os bancos não
fabricam crédito do nada; eles canalizam a poupança (renda menos consumo) dos brasileiros e
dos estrangeiros para quem demanda esses recursos, como governo, empresas e consumidores.
Parece, então, difícil encontrar a
razão que levou políticos de tendências tão distintas a uma mesma conclusão. Arriscamos uma
explicação para a coincidência: o
alto nível do risco externo brasileiro, medido pelo risco-país, é associado ao relativamente baixo
saldo comercial do Brasil.
Essa é uma idéia bastante original, já que não há sustentação teórica nem evidência empírica nesse sentido. Vamos, porém, assumir que essa hipótese seja verdadeira. De acordo com os candidatos, o aumento do saldo comercial
leva a uma queda do risco-país, o
que, por sua vez, derruba os juros
internos. Em outras palavras, os
juros internos caem quando a
conta corrente melhora. Se for
verdade, há uma relação negativa
entre os juros internos e a taxa
real de câmbio: quanto mais desvalorizado o câmbio, maior será o
saldo comercial e o resultado da
conta corrente e, segundo os programas de governo dos candidatos, menor será o risco-país.
Mas esse não é o fim da história,
porque, a princípio, é preciso
manter a estabilidade da moeda.
Isso requer que a demanda pelo
produto nacional seja compatível
com a oferta. Se um aumento do
superávit comercial é promovido
com políticas que causam expressiva desvalorização cambial, é
preciso conter a demanda doméstica na mesma proporção. E isso
só pode ser alcançado mantendo
os juros internos elevados. Ou seja, o controle da inflação requer
que, se o câmbio se desvalorizar
muito, a taxa de juros deve subir.
O produto nacional é limitado:
ou o consumimos internamente
ou o exportamos. Qualquer tentativa de lograr ambos os resultados, sem um aumento prévio da
produção, levará inevitavelmente
a pressões inflacionárias.
Em outras palavras, as propostas dos candidatos de manter a inflação controlada e, simultaneamente, gerar saldos comerciais
maiores, não parecem, ao menos
no curto prazo, muito coerentes.
Todo intento de incrementar o
saldo da balança comercial a partir de desvalorização cambial, se
não for acompanhada por incremento nos juros, terminará em
maiores pressões inflacionárias.
O investimento bruto, que chega a 21,5% do PIB, e o déficit público das contas nacionais, de 2%
do PIB, requerem um financiamento de 23,5% do PIB. A poupança nacional -19% do PIB-
não é suficiente para financiar isso. A diferença entre o que país
pode financiar com recursos próprios (19% do PIB) e o que tem de
ser financiado (23,5% do PIB) deve ser coberta com o déficit em
conta corrente (4,5% do PIB). Então, é fundamental uma poupança externa de 4,5% do PIB. Se o nível dela cair, sem antes elevar a
poupança doméstica, há o risco
de que o processo inflacionário
volte. E isso precisa ser evitado.
Política comercial e juros
Existem duas estratégias distintas de política comercial. A primeira visa reduzir ou substituir as
importações. Para isso, tende a
aumentar tarifas de importação
ou a fixar normas para produtos
importados. Nesse caso, a economia fica mais ineficiente, e o controle da inflação, mais difícil. O resultado pode ser um juro maior
ou a volta de um processo inflacionário. Esse foi o tipo de política
implementado durante os anos 80
e o princípio dos 90, até a abertura
comercial com o Real.
A segunda estratégia visa a aumentar o fluxo de comércio: mais
exportações e mais importações.
Essa política incrementa a inserção da economia brasileira no
mundo, reduzindo os custos de
produção domésticos, tornando
mais fácil o controle inflacionário
e possibilitando um novo equilíbrio com juros menores e câmbio
mais desvalorizado.
Portanto, no que diz respeito à
política comercial a ser implementada, se o que se pretende é
reduzir os juros e manter a inflação controlada, a teoria econômica mostra que uma maior inserção internacional é claramente
mais vantajosa que uma política
de substituição de importações.
As propostas dos candidatos
não são somente refutáveis a partir da teoria econômica. Países do
Sudeste Asiático, assim como o
México e o Chile, que anos atrás já
decidiram se abrir ao comércio
internacional, conseguem hoje financiamento externo a taxas de
juros relativamente baixas e convivem com inflação controlada.
Como explicitado antes, não há
evidência de correlação negativa
entre risco e superávit comercial:
não há evidência de que superávits comerciais maiores venham a
ser acompanhados por níveis de
risco menores. Por outro lado,
existe uma correlação negativa
entre fluxo comercial e risco. Em
geral, países com risco inferior a
600 pontos apresentam fluxo comercial superior a 50% do PIB.
Mais ainda: países com fluxo inferior a 40% do PIB apresentam taxa de risco que vai de não menos
que 400 a mais de 2.000 pontos.
Superávit fiscal, o remédio
O segundo tipo de política é bastante desejável por motivos microeconômicos. Estamos levantando aqui só mais uma vantagem macroeconômica. As propostas que os candidatos apresentaram em seus programas para
reduzir os juros dificultariam a estabilidade monetária. Uma maior
integração com a economia mundial, a partir de políticas que incentivem a abertura comercial,
pode ser uma solução. Mas, em
política econômica, os remédios
surtem melhores efeitos quando
são mais diretos: um aumento do
superávit primário teria efeito
mais eficaz sobre os juros, já que
conseguiria elevar imediatamente
a poupança doméstica a níveis
compatíveis com o investimento,
levando a taxas de juros menores.
Tomás Málaga é economista-chefe e
Matías Granata, economista-sênior do
banco Itaú.
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