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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Taxa de câmbio instável não inviabiliza políticas setoriais
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
A tradicional disputa
entre desenvolvimentistas
e monetaristas teve o desfecho
conhecido, na era FHC: os desenvolvimentistas foram expulsos do poder enquanto os monetaristas mantiveram-se donos
do que parecia uma política econômica "by the book" (seguindo o manual do FMI e o Consenso de Washington).
A distinção entre visões estratégicas e a gestão curtoprazista
no governo FHC continuou
mesmo assim. Consolidou-se
afinal uma verdadeira reforma
do Estado no campo das políticas científicas e tecnológicas, envolvendo dimensões financeiras, fiscais e de políticas setoriais. Em tese, nada disso colidiria com os princípios considerados legítimos de gestão fiscal
nos organismos multilaterais e
mesmo nas agências globais de
classificação de riscos.
Num mundo ideal, seria portanto possível fazer política desenvolvimentista e respeitar a
macroeconomia neoliberal.
No mundo real, a tolerância
com relação à execução de políticas setoriais tende a cair.
Um bom exemplo é a argumentação do economista Fabio
Giambiagi publicada na quinta-feira pelo jornal "Valor" ("Política industrial, Intel e taxa de
câmbio"). Autor de um livro de
referência em finanças públicas,
Giambiagi não reluta em dizer
que a política de desenvolvimento precisa recuar quando o
câmbio se desvaloriza.
Seu raciocínio: quando a moeda se desvaloriza, fica mais caro
importar, portanto é dispensável a política industrial ou setorial (que tem custos fiscais).
É uma lógica perfeita, exceto
pelo fato de que é justamente
quando a moeda do país apresenta uma tendência crônica a
se desvalorizar que se tornam
mais estratégicas as políticas de
substituição seletiva de importações (e não uma barreira geral,
como a taxa de câmbio desvalorizada).
Giambiagi embarca naquilo
que os economistas denominam "trade off" (custos e benefícios entre duas políticas). Se o
câmbio é forte, então é válido fazer política industrial para substituir importações. Se o câmbio
é fraco, a proteção é automática.
Num país cujo horizonte de
crescimento de longo prazo depende da capacidade de redução
da dependência externa, por
que submeter esse objetivo estratégico à conjuntura cambial?
A única explicação para essa
baixa tolerância diante da opção
por políticas de desenvolvimento talvez tenha origem na velha
ideologia de que a prioridade é o
respeito a certas metas fiscais.
Quando o câmbio se desvaloriza, há economistas que preferem estabilizar a moeda por
meio de políticas de ajuste fiscal
(boa parte desses economistas
faz parte da burocracia do FMI).
Danem-se, nesse momento,
políticas setoriais se elas se colocarem no caminho do ajuste fiscal, condição para trazer o câmbio a níveis toleráveis de desvalorização crônica.
Essa é a situação de inúmeras
políticas setoriais e estratégicas
no país hoje: houve redesenho e
reforma do Estado, mas a asfixia
fiscal torna secundárias e fragiliza as estruturas de regulação e
desenvolvimento recém-criadas.
Não há por que acreditar numa compensação automática
entre níveis de proteção criados
por via fiscal ou pela via cambial. Esse nexo entre câmbio e
proteção é o que mais apela ao
senso comum, mas nem por isso
é a única relação causal possível.
Resta saber até que ponto o
Estado brasileiro tem capacidade para negociar metas de ajuste
fiscal que não amputem os seus
órgãos de planejamento estratégico e até militar. É o que se chamava antigamente de "projeto
nacional".
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