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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Novos rumos
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
A atual crise mundial, embora mais complexa do que
a do final do século 19 e a de 1930,
pode ser mais uma oportunidade
histórica para o Brasil mudar de
rumo. Estamos sendo afetados,
como todo mundo, pela reversão
cíclica do centro principal, mas
somos um país de dimensões continentais com um enorme potencial de desenvolvimento autônomo do mercado interno. Com
uma economia razoavelmente diversificada, temos um baixíssimo
coeficiente global de integração
ao comércio internacional e um
sistema financeiro nacional (público e privado) capaz de financiar endogenamente a retomada
do crescimento.
Retomado o crescimento, o Brasil pode ir-se vendo livre das armadilhas do processo de endividamento dolarizado (interno e
externo) que os movimentos de
capital especulativo e as aquisições e privatizações "bucaneiras"
levaram ao paroxismo. Por contraste com as economias maduras, temos maiores possibilidades
de geração e de absorção de tecnologia, enquanto o ciclo recente
da nova economia dos países centrais está esgotado. Só então, como sempre, o investimento direto
estrangeiro voltará, para acoplar-se a um novo ciclo de expansão,
oxalá nos novos moldes que a
maturidade política da nação
exige e que a complementaridade
produtiva e tecnológica requer.
É verdade que atualmente enfrentamos graves problemas cambiais porque o aperto de crédito
internacional provoca problemas
de liquidez em dólar e a especulação pressiona a depreciação acelerada do real. Por isso o fechamento do balanço de pagamentos
final vem sendo manejado precariamente -não apenas com os
recursos do FMI, mas por operações contábeis nas contas financeiras externas. Estas residem na
conversão de parte das dívidas
privadas externas, que não estão
sendo roladas, e sim apropriadas
como "investimento direto estrangeiro".
Essa operação de "ajuste patrimonial" é particularmente problemática para a dívida das filiais
internacionais que participaram
das privatizações em transportes,
energia e comunicações. Mas pode ser equacionada com controle
e supervisão pública e com a participação do grande capital privado nacional na recompra das empresas que não cumprem os contratos, que exigem tarifas absurdas em dólar e que se encontram
sem financiamento de suas matrizes. O resultado final seria uma
diminuição dos passivos externos
e a retomada do planejamento da
infra-estrutura.
As restrições às exportações
aqui como em quase toda a periferia do mundo capitalista residem não apenas nas práticas restritivas de comércio exterior dos
grandes países protecionistas mas
também na divisão de trabalho
intrafirmas multinacionais. O investimento das empresas globais
produtoras e exportadoras de
manufaturas dirigiu-se sobretudo aos Estados Unidos e ao leste
da Ásia, as maiores áreas de crescimento por mais de uma década.
Atualmente, só resiste a China,
que se mantém como o maior espaço de crescimento mundial. Por
isso é o primeiro país em atração
de investimento. No Brasil, as filiais vieram não para exportar,
mas para adquirir patrimônio já
existente, terminando por agravar a situação do balanço de pagamentos.
Do ponto de vista do comércio
exterior, a economia brasileira
tem condições de disputar competitivamente nas indústrias nas
áreas tradicionais (couro, vestuário e calçados) e de insumos agrícolas e industriais. Com a crise
cambial, as exportações convencionais podem ser financiadas em
reais com taxas de juros mais baratas do que em dólar. Nas indústrias de alta tecnologia temos possibilidades de substituição de importações em ramos que vão da
aviação ao petróleo e da eletrônica à biotecnologia, desde que tenhamos a política industrial, comercial e tecnológica correta.
Convém lembrar, porém, que a
estagnação mundial e a concorrência excessiva afetaram o comércio mundial de bens de maior
componente tecnológico que foi o
que mais se desacelerou desde a
crise de 2001. Ao contrário, o comércio de commodities permaneceu relativamente estável. Não é,
portanto, através do crescimento
das exportações ou da "substituição simples de importações" que
vamos recuperar a produção e o
emprego a curto prazo.
O nosso mercado interno de
massas possui uma potencialidade de retomada do crescimento
não-desprezível com as indústrias
e a agricultura aqui existentes,
desde que se leve em conta que a
estrutura do crescimento e a distribuição de renda são duas faces
da mesma moeda. Não se trata de
crescer "para os ricos e para fora",
mas de crescer para os "pobres e
para dentro". Só assim será possível gerar renda e emprego para os
excluídos (antigos e novos). Não
basta crescer com exclusão social
e depois aplicar políticas compensatórias (que dirá políticas sociais
"focalizadas" para combater a
pobreza). Hoje é preciso produzir,
distribuir e fazer políticas sociais
universais simultaneamente. Vale dizer: mudar o nosso estilo excludente de desenvolvimento.
As políticas de financiamento
da produção podem ser feitas em
reais, o mesmo ocorrendo com o
consumo, os serviços sociais, a
construção civil e as pequenas e
médias empresas. Todos são geradores de muitos empregos e não
dependem da atual inserção internacional, que é péssima. Esta
só poderá ser reestruturada justamente quando retomarmos o
crescimento interno com planejamento estratégico e negociações
adequadas com os grandes grupos econômicos e financeiros.
O meu indiscutível "otimismo
estrutural" prende-se não apenas
ao andamento das eleições, mas à
convicção profunda de que o Brasil tem condições de mudar de rumo com suas próprias forças e
não depende de uma "onda benéfica de globalização", a qual, diga-se de passagem, não está no
horizonte da economia mundial.
Maria da Conceição Tavares, 72, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
professora associada da Universidade de
Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
Internet:www.abordo.com.br/mctavares
E-mail - mctavares@cdsid.com.br
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