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CONTÁGIO LATINO
Para Charles Calomiris, professor de Columbia, saída é acordo comercial com os EUA para elevar exportações
Brasil deverá virar uma Argentina, diz economista
JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL
O economista norte-americano
Charles Calomiris diz que o Brasil
pode se transformar em uma Argentina. Não seria o primeiro a levantar suspeitas sobre a capacidade de o governo brasileiro, principalmente o futuro, continuar a
honrar seus compromissos.
Mas, ao contrário da maioria
dos economistas, Calomiris afirma que o problema do país pode
não ser a relação dívida/PIB. ""Talvez a relação dívida/PIB não seja
hoje um desastre. Mas dê uma
olhada em importações e exportações e seus vencimentos em dólares e me diga como continuará
solvente a longo prazo", afirma.
Professor de finanças e economia na Universidade Columbia,
nos EUA, Calomiris se envolveu,
em abril de 2001, em uma discussão pública com o então ministro
Domingo Cavallo. Na época, escreveu um artigo no ""Wall Street
Journal" no qual afirmava que o
governo argentino precisava assumir que o país estava quebrado
e o melhor era promover "reestruturação voluntária da dívida
para evitar o caos". O caos ocorreu meses mais tarde.
A saída para o Brasil, segundo
ele, é promover rapidamente
acordo de comércio com os EUA
para aumentar o percentual das
exportações.
Folha - Só em setembro, o dólar já
subiu 29% diante do real, o que aumenta o custo da dívida brasileira
atrelada à moeda americana. A relação dívida/PIB passou de 58% para cerca de 63% neste mês. Não faz
dois meses que o FMI anunciou um
empréstimo de US$ 30 bilhões ao
Brasil. Diante desse quadro, como
o sr. avalia a situação do país?
Charles Calomiris - É absolutamente certo que a desvalorização
do real tornar mais difícil o pagamento dos serviços da dívida. O
que vemos acontecer é, em parte,
uma reação ao risco das eleições,
mas é apenas uma parte. Não
creio que seja só um problema de
fundamentos. De forma simples,
o problema é que o ingresso de
dólares com o resultado da balança comercial e o fluxo de capital
externo têm que ser iguais ou superiores à quantidade de dólares
que saem para o pagamento dos
serviços da dívida. Para ser solvente você tem que satisfazer duas
condições. Uma é manter seu balanço fiscal sob controle. Pode-se
argumentar que o Brasil fez isso.
Não satisfez a primeira. Que os
dólares que entram sejam suficientes para cobrir os dólares que
precisam ser pagos. Para mim, o
medo do mercado está centrado
nesse tema. Se o eleito for Lula e
ele anunciar "nós vamos liberalizar o comércio" e entrar em acordo com os EUA para dobrar as exportações em percentuais do PIB
nos próximos três ou quatro anos,
o dilema será resolvido.
Folha - Mas um acordo desse tipo
seria vantajoso para o Brasil?
Calomiris - Politicamente, não.
Economicamente, sim. O Brasil
tem exportações muito baixas em
relação ao PIB. Lula não trata disso em sua plataforma. Você não
pode ser punido por ser de esquerda. Não se pode apenas acordar um dia e dizer "vou pagar",
mas promover políticas que, de
fato, permitam cumprir essa promessa. Não vejo nenhuma evidência entre os presidenciáveis de
que vão se mover rapidamente na
direção do livre comércio. Vimos
esse filme com a Argentina. O governo acumulava um déficit fiscal
por conta do acordo de co-participação (das Províncias no total
arrecadado pela União) e também tinha políticas protecionistas
e um nível de exportações muito
baixo comparado ao PIB. Essa é a
chave: se você tiver dívida denominada em dólares, mas exportações em crescimento, o mercado
deixa de ter medo. Para acalmar o
mercado, o vencedor dirá "eu vou
pagar". Bem, e onde você vai conseguir dinheiro para pagar? A forma de obter esse dinheiro é adotar
liberalização real do comércio.
Folha - O sr. acredita que o Brasil
pode se tornar uma Argentina?
Calomiris - Certamente, pode. E
provavelmente vai, independentemente de o eleito ser Lula ou
Serra, apesar de os investidores
temerem mais a Lula.
Folha - O sr. indicaria uma reestruturação da dívida brasileira, como fez com a Argentina?
Calomiris - No caso da Argentina, 95% da dívida pública era denominada em dólares. A dívida
brasileira está longe disso. Mas há
uma parcela indexada ao dólar e a
dívida dolarizada em relação às
exportações é 300% maior. É uma
relação muito alta, que não permite assegurar que, no futuro, os
superávits serão suficientes para
cobrir os pagamentos. As pessoas
gostam de olhar para o fator dívida/PIB e para o superávit primário e afirmar "veja nossa relação
dívida/ PIB é de 63%, nosso superávit primário tem sido razoável".
Talvez você esteja certo sobre o
superávit primário e sua relação
dívida/PIB não seja um desastre.
Mas dê uma olhada em importações e exportações e seus vencimentos em dólares e me diga como continuará solvente.
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