São Paulo, domingo, 29 de setembro de 2002

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ANÁLISE / ECONOMIA AMERICANA

O'Neill discorda, mas déficit preocupa

DO "FINANCIAL TIMES"

Pergunte à maioria dos economistas sérios e eles admitirão que se sentem bastante inseguros com relação ao crescente desequilíbrio nas contas comerciais dos países riscos. Paul O'Neill, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, discorda. Ele não consegue entender a preocupação quanto ao imenso déficit comercial norte-americano. "Creio que esse seja um conceito completamente vazio", disse.
Não se pode criticar o raciocínio de O'Neill, de um determinado ponto de vista. O déficit em conta corrente é apenas um conceito contábil, o qual, por definição, deveria se equiparar ao influxo líquido de capitais estrangeiros.
De acordo com O'Neill, esses influxos explicam tudo. O déficit em conta corrente dos EUA está acima de 4% do PIB (Produto Interno Bruto), o país absorve 6% da poupança bruta mundial e mais de 70% dos fluxos mundiais de poupança não-doméstica. Para o secretário, isso demonstra, simplesmente, o quanto é atraente para os estrangeiros investir nos Estados Unidos.

Desequilíbrio crescente
Mas esse tipo de raciocínio representa o triunfo de uma confiança injustificada sobre os fatos; não consegue explicar por que o déficit nas transações com os outros países cresceu nos anos 90, se ele é ou não sustentável e de que maneira ele poderia ser reduzido.
Felizmente, o FMI (Fundo Monetário Internacional) publicou uma valiosa contribuição para o debate, na semana passada. O estudo conclui que os desequilíbrios nas contas correntes mundiais importam, que seu nível atual não tem grande probabilidade de sustentação e que o mundo deveria se preocupar em corrigi-lo rapidamente.
Comparando os movimentos relativos da poupança e do investimento em diversos países nos anos 90, o estudo do FMI demonstra que o crescimento no déficit em conta corrente dos EUA foi conduzido inicialmente por um aumento no investimento privado em ativos norte-americanos. Mas, desde 1999, a expansão reflete um consumo mais alto e índices mais baixos de poupança privada relativa.

Futuro incerto
O rápido crescimento dos EUA e as expectativas otimistas de lucratividade futura nos investimentos conduziram a influxos de capital estrangeiro, a uma alta do dólar e a um déficit crescente. Infelizmente, é pouco provável que todas essas tendências perdurem.
Primeiro, sabemos agora que o investimento associado à revolução tecnológica não estava nem perto da lucratividade que lhe era atribuída, o que lança dúvidas sobre o futuro nível de investimento nos Estados Unidos e, consequentemente, sobre a cobertura do déficit. Segundo, por volta de 2007, o passivo norte-americano com relação ao resto do mundo atingiria a marca sem precedentes de 40% do PIB. Terceiro, a história demonstra que déficits muito altos em geral não são sustentáveis por muito tempo.

Cenário desagradável
A eliminação do déficit em conta corrente pode ser longa e benigna. Se a demanda doméstica crescer rapidamente, especialmente na Europa e no Japão, a produção mundial pode se expandir à medida que o desequilíbrio se reduz.
O problema é que o cenário alternativo, de uma correção desagradável, parece mais provável. Esse cenário envolve menos crescimento econômico nos Estados Unidos, que causaria queda no consumo. Haveria uma queda nas importações e uma desvalorização do dólar, o que exportaria parte do sofrimento para a Europa e para o Japão.


Tradução de Paulo Migliacci


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