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MERCADO DE TRABALHO
Não-optantes do FGTS em 67 já passaram por 5 planos econômicos e 10 mudanças de moeda
Após 36 anos, empregados estáveis resistem
MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Eles vivenciaram duas Constituições e sobreviveram a cinco
planos econômicos. Passaram
por nove presidentes e dez mudanças de moeda.
Hoje, às vésperas de uma faxina
da CLT prometida por um presidente ex-operário, são o símbolo
de um mercado de trabalho que
deixou de existir há 36 anos.
Trata-se dos trabalhadores que,
de 67 a 88, foram não-optantes do
FGTS (Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço). Não há estimativa de quantos existem hoje
no país, mas o consenso é de que
são muito poucos.
Explica-se: em 1967, quando o
FGTS -aprovado por lei em
1966- passou a vigorar, o governo permitiu que o trabalhador escolhesse entre o fundo de garantia
e a estabilidade no emprego.
Até então, todas as pessoas que
passassem dez anos trabalhando
em uma mesma empresa não podiam ser demitidas sem que o empregador comprovasse justa causa na Justiça.
Podiam também ser mandadas
embora em casos extremos, como
falência da empresa, por exemplo, mas, se isso ocorresse, recebiam uma indenização dobrada
-dois salários por ano trabalhado. Por outro lado, se pediam demissão, não recebiam nada.
A maioria esmagadora dos trabalhadores optou pelo FGTS
-mesmo porque a pressão para
que optassem foi muito grande
por parte das empresas e, indiretamente, por parte do governo.
"O trabalhador teve possibilidade entre aspas, ele foi quase instado a optar. As empresas tinham
empregados estáveis e com a lei
do FGTS elas podiam dispensá-los", afirma a advogada trabalhista e conselheira da OAB (Ordem
dos Advogados do Brasil) Gilda
Figueiredo Ferraz de Andrade.
Mesmo assim, alguns poucos
resistiram e preferiram continuar
no regime antigo, tornando-se
não-optantes do fundo, sinônimo
de emprego garantido.
Isso foi permitido de 67 a 88,
quando a nova Constituição pôs
fim à dualidade de sistemas.
No entanto, ainda há casos raros de quem ainda está na ativa,
após atravessar décadas sem optar pelo FGTS voluntariamente e
sem mudar de empresa.
Após 1988, eles ganharam contas de FGTS e, ao menos formalmente, perderam a estabilidade.
No entanto algumas decisões judiciais ainda reconhecem esse direito dos antigos não-optantes.
Presidente do conselho de administração da FRB-Par, controladora da Varig, por cerca de dois
meses, Gilberto Rigoni, 67, foi um
não-optante do FGTS.
A companhia aérea foi o primeiro emprego -entrou aos 15
anos, como auxiliar de escritório- e o único da vida de Rigoni.
"Tive uma decisão mais conservadora. Achei que, por se tratar de
um direito adquirido, era justo",
diz Rigoni.
"A Varig, na época, insistiu para
que as pessoas optassem, mas decidi não optar", relata ele, que
afirma que "já foi convidado" a
sair da empresa duas vezes.
Como Rigoni, o jornalista Joaquim Alves da Cruz Rios, 85, é um
dos remanescentes que "resistiram" ao FGTS e ainda estão trabalhando. Cruz Rios foi convidado
para escrever uma coluna sobre o
Judiciário em "A Tarde", em março de 1938.
Quase 66 anos depois, Rios continua trabalhando no mesmo jornal, agora ocupando um cargo de
confiança -diretor de Redação.
"Nunca me arrependi da decisão que tomei", disse o jornalista,
que é formado em direito e tem
dois livros publicados.
De acordo com advogados trabalhistas, há divergências entre
juízes trabalhistas se funcionários
como Rigoni e Cruz ainda têm direito à estabilidade.
Alguns acreditam que sim. Outros avaliam que, com a Constituição de 88, esses trabalhadores
perderam o status de estáveis e
podem ser mandados embora.
Nesse caso, têm direito a uma
indenização de dois salários por
ano trabalhado como não-optante. "Entendo que a Constituição
de 88, ao instituir o FGTS, respeitou o direito adquirido da estabilidade. Mas, apesar disso, existem
juízes que entendem que o empregado tem direito apenas à indenização dobrada", afirma o advogado Francisco Ary Montenegro Castello.
De acordo com o advogado
Agenor Barreto Parente, no entanto, "a estabilidade acabou:
"Houve perda da estabilidade
[com a Constituição]'".
As empresas têm o direito de requerer a aposentadoria compulsória dos trabalhadores que fazem 70 anos. Nesse caso, elas pagam a metade da indenização.
Muitos funcionários que foram
não-optantes prorrogam a aposentadoria porque não recebem o
FGTS relativo ao período de 1967
a 1988 ao fazê-lo. Ao mesmo tempo, a empresa não os demite para
não arcar com o alto custo da indenização.
Direito esquecido
De 1967 a 1988, as empresas que
tinham não-optantes foram obrigadas a depositar o FGTS desses
funcionários, como uma garantia
de que poderiam pagar a indenização em caso de falência.
Nesse caso, quando o trabalhador estável pede demissão, morre
ou resolve optar pelo fundo, esse
dinheiro volta para empresa.
Colaborou Luiz Francisco, da Agência Folha, em Salvador
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