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CAPITALISMO VERMELHO
País espera que mais de 300 milhões deixem o campo e elevem oferta de mão-de-obra barata nas cidades
China incita migração urbana para crescer
Ted Aljibe - 28.nov.03/France Presse
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Pedestres atravessam rua no centro financeiro de Hong Kong; governo chinês quer encorajar migração urbana para estimular crescimento |
JAMES KYNGE
MURE DICKIE
DO "FINANCIAL TIMES", EM PEQUIM
A China planeja encorajar a migração de um número entre 300
milhões e 500 milhões de pessoas
das áreas rurais para as cidades de
médio e grande porte do país até
2020, transformação que Pequim
espera que ajude a estimular o
crescimento, mas que também alterará de maneira fundamental a
economia e a sociedade do país
mais populoso do mundo.
A maior migração potencial na
história da humanidade se tornou
parte do plano mestre para o desenvolvimento chinês. Wang
Mengkui, ministro do Centro de
Pesquisa e Desenvolvimento do
Conselho de Estado chinês, disse
ao "Financial Times" que a população urbana do país deve subir a
cerca de 800 milhões de pessoas
até 2020, ante o total oficial de 502
milhões computado no final do
ano passado.
Essa estimativa, afirmou Wang
Mengkui, provavelmente é conservadora. Outro funcionário do
governo chinês, Wang Dayong,
diretor do Banco de Desenvolvimento da China, encarregado de
financiar muitos dos projetos de
infra-estrutura do país, disse que
mais 500 milhões de pessoas se
tornariam moradores de cidades
até 2020.
"Um país em que a maior parte
da população vive em aldeias pobres ou remotas jamais será uma
nação moderna e desenvolvida",
disse Wang Mengkui, que dirige o
instituto de pesquisa do ministério chinês. "Nosso índice de urbanização (39%) equivale, agora, ao
do Reino Unido na década de
1850, ao dos Estados Unidos em
1911 e ao do Japão em 1950."
"Acredito que nosso índice de
urbanização deva atingir algo entre 55% e 60% da população por
volta de 2020", afirmou.
As forças que promovem o êxodo rural são facilmente identificáveis. Os fazendeiros de uma aldeiazinha empoeirada perto da
cidade de Chengdu, no oeste da
China, riem quando lhes pergunto se as ameixeiras que cultivam
lhes garantem renda suficiente
para viver.
"Ficamos felizes se tivermos o
suficiente para comer", disse
Wang Xiang, 34, imputando às dificuldades climáticas e à recente
epidemia da Sars (síndrome respiratória aguda grave) a queda
nas vendas de ameixas que vêm
dificultando a vida dos camponeses locais.
Como em incontáveis outras
comunidades rurais de toda a
China, os fazendeiros lutam para
complementar sua renda trabalhando em tempo parcial para outros agricultores ou se dedicando
ao pequeno comércio, mas, mesmo assim, o diferencial de renda
com relação às cidades vizinhas
não pára de aumentar.
Mão-de-obra barata
A migração da população para
áreas urbanas deve garantir décadas de acesso à mão-de-obra barata para as fábricas que vêm
transformando a China na "oficina do mundo" e para o subdesenvolvido setor de serviços que será
vital para o crescimento econômico a longo prazo.
"Durante os últimos 20 anos, o
PIB (Produto Interno Bruto) da
China teve uma expansão média
de 9%, para a qual o crescimento
derivado da transferência de
mão-de-obra do campo para a cidade contribuiu em média com
15% ao ano", afirmou Wang
Mengkui.
"Boa parte da mão-de-obra
continua a vir do campo", disse
um executivo estrangeiro na zona
de desenvolvimento industrial de
alta tecnologia de Chengdu. "O
trabalho custa muito barato."
Se as pessoas que se mudam para as cidades conseguirem empregos, elas também podem ajudar a
sustentar as aldeias empobrecidas
que deixarão para trás, enviando
dinheiro, e, além disso, podem se
transformar em uma nova e potente fonte de demanda.
Mas o influxo de pessoas do
campo também oferece desafios
reais em termos de administração
pública. Apenas nos últimos anos
o governo começou a desmantelar um sistema criado na era de
Mao Tsé-tung que mantinha os
moradores do campo estritamente segregados de seus concidadãos urbanos mais privilegiados.
Qiu Baoxing, um funcionário
do Ministério da Construção, disse à imprensa estatal recentemente que a urbanização poderia se
tornar uma "calamidade" se os
recursos hídricos e fundiários não
forem projetados adequadamente e o planejamento urbano não
melhorar.
Wang Mengkui enfatizou a importância de garantir uma educação decente na cidade para os filhos dos migrantes rurais, desafio
encarado com seriedade em uma
escola extra-oficial estabelecida
em uma fábrica de tintas desocupada na zona oeste de Pequim.
"Mais e mais pessoas do campo
estão chegando às cidades e suas
crianças precisam de educação",
disse o diretor da escola, Yi Benyao, que já tem matriculados
2.000 alunos excluídos das escolas
municipais devido às taxas dispendiosas, à burocracia ou ao medo de discriminação.
"Mas o nosso ambiente escolar
é ruim, e as condições são precárias. Creio que isso seja injusto para as crianças."
Instabilidade social
Outros observadores se preocupam com a possibilidade de que
os migrantes se tornem uma fonte
de instabilidade social nas cidades
onde extremos de pobreza e riqueza eliminaram todos os traços
de igualitarismo comunista.
Em discurso pronunciado alguns meses atrás, o desbocado
empresário rural Sun Dawu criticou os esforços do governo para
transferir camponeses para cidades recém-construídas e advertiu
que apenas uma pequena proporção deles seria capaz de encontrar
empregos nas áreas urbanas.
"Os camponeses na cidade terão de vender seu trabalho braçal,
e isso acarreta grandes riscos",
disse Sun. "Não haverá uma revolução violenta entre os camponeses em suas aldeias, mas, se os
problemas rurais subitamente se
tornarem problemas urbanos, isso significará caos para o país."
De volta à região rural vizinha à
Chengdu, o fazendeiro Zhang
Chuangliang, 80, não quer deixar
seus campos de batata-doce e
painço, mas admite que um de
seus quatro filhos já se mudou para a cidade para trabalhar. Os demais talvez tenham de seguir-lhe
os passos em breve.
Tradução de Paulo Migliacci
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