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NEUROCIÊNCIA
Suzana Herculano-Houzel
O que faz o cérebro criativo?
Duas semanas atrás, manifestei aqui minha decepção com a falta de originalidade
humana na hora de criar extraterrestres para filmes e livros, o que tem suas origens na
limitação da nossa capacidade de imaginação pela experiência sensorial do cérebro.
Ainda assim, esse cérebro que só propõe mesmices alienígenas é capaz de dar
soluções novas a problemas cotidianos. Como?
Ainda por meio da criação de novas combinações dos elementos de que dispomos.
Logo vem à cabeça o projeto de objetos inovadores -aviões, máquinas
de fazer suco de laranja, iPods. Mas, segundo uma definição prática, isso é apenas um
ramo específico da criatividade, nossa capacidade genérica de encontrar novos
caminhos entre idéias e conceitos e novos conceitos a partir das mesmas idéias. A
neurociência já se interessou pelo assunto -e mostra como a criatividade depende do
esforço conjunto de uma rede de estruturas dos dois lados do cérebro (e não apenas
do lado direito, por favor!) que servem cada uma a uma função específica: memória de
trabalho, imaginação de ações, significados emocionais complexos, satisfação e,
sobretudo, flexibilidade cognitiva: a capacidade de mudar o conjunto de regras em uso
no momento. Na hora de ser criativo com o mundo, o cérebro usa a si mesmo com
criatividade: emprega as mesmas estruturas de outras maneiras para olhar uma
questão de outro jeito e descobrir um caminho alternativo.
Minha filha, em plena descoberta da semântica aos oito anos, nos oferece uma
experiência do processo criativo propondo uma série de charadas. "Por que o
Abominável Homem das Neves é azarado?", pergunta. Imagens de gelo, montanhas e
seres enormes vêm à cabeça -nada que ajude a encontrar uma resposta que conecte
o Yeti ao azar. Depois de insistirmos em um caminho que não leva a nada, ela dá a
resposta: "Porque ele tem pé frio!".
Rimos, enquanto nosso sistema de recompensa registrava o valor de quebrar as
expectativas, abandonar o caminho tradicional, mais fácil, e ver a mesma informação
de outra perspectiva, usando um conjunto diferente de regras.
A ativação do sistema de recompensa com a quebra de expectativa, base do humor,
não só torna o processo criativo prazeroso como nos faz querer mais dele. Deixo,
então, um convite para você usar sua flexibilidade cognitiva e responder: por que o
macaco-prego não gosta de entrar no mar? Não é porque ele enferruja...
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro
"Fique de Bem com o Seu Cérebro" (Editora Sextante) e do site O Cérebro Nosso de
Cada Dia
(www.cerebronosso.bio.br)
suzanahh@folhasp.com.br
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