São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2004

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Nada de Marta perua, prepotente e mandona; a figura loura bem tratada é paz e amor, doce e suave

MARTA SUPLICY

DANUZA LEÃO

"Prefeita, a senhora gostaria de ter nascido homem?" A resposta veio rapidinha: "De jeito nenhum. Eu adoro ser mulher".
A trajetória de vida de Marta Teresa Smith de Vasconcellos, mais conhecida como Marta Suplicy, daria mais do que um livro: daria um filme.
Educada no Des Oiseaux, colégio das moças do mais fino trato de São Paulo, desde cedo Marta teve duas torcidas, uma contra e outra a favor. A primeira a achava apagada, arredia, petulante. "Marta? Ela não dá ponto sem nó", dizia dela uma colega. Já para a outra era brilhante, extrovertida, simpática. Seu amigo José Maria Balberde, hoje o guru Sewak, lembra que Marta era deslumbrante. Segundo ele, sua inteligência não era mediocrizada nem enferrujada.
Anos depois, quando ia buscar seu filho Supla no colégio, era um acontecimento. Os colegas eram todos apaixonados -com todo o respeito- pela loirinha de olhos azuis. Continuou fazendo sucesso como mulher, embora ela odeie que elogiem sua beleza -quando se está falando de política, claro.
Isso não impediu que o ex-presidente da CUT Jorge Coelho dissesse há tempos, numa entrevista, que Marta era o sonho de todo peão: "Rica, bonita e sabe tudo sobre sexo". Quem manda ser tudo isso?
Nascida em São Paulo, Marta passava as férias no Rio com os avós, que eram ricos e aristocráticos. Para não esquecer a nobreza do sobrenome, a família construiu dois castelos de pedra, um em Itaipava (RJ) e outro no Rio, diante da paisagem tropical do mar de Copacabana.
Marta sempre disse o que pensa com a maior franqueza. "Nunca fui a reuniões do Diretório do PT. Acho um saco. Eu sou de ação." Quando candidata ao governo de São Paulo, em 1998, foi clara: "Não tenho dúvida de que chegarei à Presidência da República. O governo do Estado é apenas o primeiro passo".
A figura da prefeita, hoje, está em perfeita harmonia com o belo gabinete onde exerce suas funções, no centro de São Paulo: um espaço amplo, com poucos móveis -um sofá e duas poltronas brancas; numa mesinha lateral, um vaso com antúrios cor-de-rosa, e, lá no fundo, uma grande mesa de reuniões com três vasos pequenos, cada um com um antúrio também rosa.
A prefeita chegou com um tail- leur branco impecável, imaculado, brinco de pérolas discreto, e mais nada. Cadê a Marta perua? E a Marta prepotente? E a Marta mandona? Nada disso; paz e amor é pouco para a atual Marta candidata: doce e suave, um verdadeiro favo de mel, sua figura loura e bem tratada combina com o bom gosto do décor.
A pele de Marta é rosa e fina como a de um bebê, e não é coisa de maquiagem: ela é adepta da medicina ortomolecular e toma umas dez pílulas por dia -que, como se vê, funcionam. Ah, a prefeita só bebe água sem gelo.
Arrogante? "Não mais do que Serra e Maluf." Nervosa com a eleição? "Nem um pouco." Tem dormido bem? "Nunca tive problema de sono, sempre durmo bem." A política não prejudica a família? "Meus filhos nunca reclamaram. Só o Supla me perguntou um dia por que razão eu queria ser prefeita. Mas eu gostaria de poder ver mais meus filhos e netos", ela diz.
Aliás, para que Marta quer ser prefeita? Pelo poder? Segundo ela, para "fazer coisas"; o poder não lhe deu nada que já não tivesse ou não pudesse ter. E os aborrecimentos? O maior é não ter a liberdade de sair dirigindo seu carro sem seguranças. Outros: ir a um restaurante e no dia seguinte ler no jornal o que comeu, quanto custou o vinho, e, quando compra uma roupa, publicarem quanto pagou, se em cheque ou se no cartão, essas coisas.
Mas como ela faz quando quer uma roupa nova? Liga para a loja, diz que vai aparecer e pede para fecharem meia hora mais tarde. Ela detesta que levem uma mala para escolher em casa, gosta de fuçar nas araras.
E suas ambições políticas, vão até onde? Quer ser vice de Lula? "Eu, vice de Lula? Só penso em ser prefeita por mais quatro anos, e o segundo mandato vai ser bem mais fácil do que o primeiro." E gosta mais de fazer campanha ou de administrar? "De administrar, sem dúvida."
Ela não poupa os tucanos; conta que, quando perdeu a eleição para governadora -"foi uma manipulação", diz e repete-, no mesmo dia recebeu telefonema de Serra pedindo seu apoio para Covas. Ela apoiou, mas não deixou barato: "Serra, será que você não podia esperar ao menos um dia?". E por falar em Serra, ela tem alguma coisa parecida com o candidato? "Temos, os dois, uma formação intelectual, e lembro que a primeira cliente que a mulher dele teve foi arranjada por mim."
Marta é musa gay. Lutou -e conseguiu- que a Parada do Orgulho Gay em São Paulo se tornasse uma das mais importantes do mundo. Quando é preciso, ela encara e briga, mas tem o hábito de rotular de "preconceituosa" e "machista" qualquer opinião diferente da sua. Quando foi eleita prefeita, a pergunta do PT, nas internas, era: "Marta vai administrar São Paulo, mas quem vai administrar a Marta?"
Já no final da conversa com a Folha, a prefeita perguntou: "Você é do Rio, não é? Então vem ver uma coisa". Levantou-se agilmente -ela é extremamente ágil-, abriu as portas da varanda e mostrou a vista do Vale do Anhangabaú, com o maior orgulho do mundo.
Há quem diga que o presidente Lula fez o famoso discurso a favor de sua eleição de tanto ela dizer "EU QUERO, TEM QUE, TEM QUE"; mas Marta diz que chorou quando viu o presidente na televisão pedindo votos para ela.
E pedir votos é com ela mesma. Na manhã da última sexta-feira, dia seguinte ao debate da TV Globo, que terminou mais de meia-noite, Marta se levantou às 5h30 e foi para o aeroporto de Guarulhos, onde recebeu os atletas da Paraolimpíada. Às 11h estava fazendo corpo-a-corpo em Ermelino Matarazzo, na zona leste.
De aliança e com um anelzinho com um brilhante discreto, o pique da prefeita é inacreditável. Supla, vestido de Supla, foi dar uma força à mamãe, e, na primeira loja em que entrou no bairro, se encantou: "Que legal, isso é um brechó?". Não, não era.
Marta começou a caminhada pelo bairro da zona leste e parecia que estava fazendo cooper, tal a ligeireza; entrou em todas as lojas, na quitanda, na leiteria, no açougue, apertou a mão de TODOS os funcionários, deu abraços e beijos em absolutamente TODAS as pessoas, e dizia, olhando no olho: "Quero seu voto, posso contar? Tem de arranjar mais votos, estamos empatados". Isso fora os afagos em TODAS as crianças, com direito a "e esse bonitinho é seu?" E, no caso de a criança ser muito pequena, se abaixar para beijar e se levantar leve, leve, como se fosse uma bola de ping-pong. Cercada por pessoas do bairro, pela militância, pela segurança e pela imprensa, quando o ritmo da caminhada caía, ela tomava a frente e dizia, batendo palmas, "vamos gente, vamos gente", para que as pessoas andassem mais depressa. Qual será o energético que a prefeita toma no café da manhã?
Momento moda: Marta usava uma linda camisa branca e em nenhum momento a camisa saiu de dentro da calça; no final do dia, certamente, a camisa continuaria alva, como será que ela faz?
E o que diz seu coração a respeito da eleição?
Ela respira e responde com a maior certeza: "Vou ganhar. É o meu destino".


A jornalista Danuza Leão é colunista da Folha e escreve aos domingos na página 2 de Cotidiano


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