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Nada de Marta perua, prepotente e mandona; a figura loura bem tratada é paz e amor, doce e suave
MARTA SUPLICY
DANUZA LEÃO
"Prefeita, a senhora gostaria de
ter nascido homem?" A resposta
veio rapidinha: "De jeito nenhum.
Eu adoro ser mulher".
A trajetória de vida de Marta Teresa Smith de Vasconcellos, mais
conhecida como Marta Suplicy,
daria mais do que um livro: daria
um filme.
Educada no Des Oiseaux, colégio das moças do mais fino trato
de São Paulo, desde cedo Marta
teve duas torcidas, uma contra e
outra a favor. A primeira a achava
apagada, arredia, petulante.
"Marta? Ela não dá ponto sem
nó", dizia dela uma colega. Já para
a outra era brilhante, extrovertida, simpática. Seu amigo José Maria Balberde, hoje o guru Sewak,
lembra que Marta era deslumbrante. Segundo ele, sua inteligência não era mediocrizada nem
enferrujada.
Anos depois, quando ia buscar
seu filho Supla no colégio, era um
acontecimento. Os colegas eram
todos apaixonados -com todo o
respeito- pela loirinha de olhos
azuis. Continuou fazendo sucesso
como mulher, embora ela odeie
que elogiem sua beleza -quando
se está falando de política, claro.
Isso não impediu que o ex-presidente da CUT Jorge Coelho dissesse há tempos, numa entrevista,
que Marta era o sonho de todo
peão: "Rica, bonita e sabe tudo sobre sexo". Quem manda ser tudo
isso?
Nascida em São Paulo, Marta
passava as férias no Rio com os
avós, que eram ricos e aristocráticos. Para não esquecer a nobreza
do sobrenome, a família construiu dois castelos de pedra, um
em Itaipava (RJ) e outro no Rio,
diante da paisagem tropical do
mar de Copacabana.
Marta sempre disse o que pensa
com a maior franqueza. "Nunca
fui a reuniões do Diretório do PT.
Acho um saco. Eu sou de ação."
Quando candidata ao governo de
São Paulo, em 1998, foi clara:
"Não tenho dúvida de que chegarei à Presidência da República. O
governo do Estado é apenas o primeiro passo".
A figura da prefeita, hoje, está
em perfeita harmonia com o belo
gabinete onde exerce suas funções, no centro de São Paulo: um
espaço amplo, com poucos móveis -um sofá e duas poltronas
brancas; numa mesinha lateral,
um vaso com antúrios cor-de-rosa, e, lá no fundo, uma grande mesa de reuniões com três vasos pequenos, cada um com um antúrio
também rosa.
A prefeita chegou com um tail-
leur branco impecável, imaculado, brinco de pérolas discreto, e
mais nada. Cadê a Marta perua? E
a Marta prepotente? E a Marta
mandona? Nada disso; paz e amor
é pouco para a atual Marta candidata: doce e suave, um verdadeiro
favo de mel, sua figura loura e
bem tratada combina com o bom
gosto do décor.
A pele de Marta é rosa e fina como a de um bebê, e não é coisa de
maquiagem: ela é adepta da medicina ortomolecular e toma umas
dez pílulas por dia -que, como
se vê, funcionam. Ah, a prefeita só
bebe água sem gelo.
Arrogante? "Não mais do que
Serra e Maluf." Nervosa com a
eleição? "Nem um pouco." Tem
dormido bem? "Nunca tive problema de sono, sempre durmo
bem." A política não prejudica a
família? "Meus filhos nunca reclamaram. Só o Supla me perguntou
um dia por que razão eu queria
ser prefeita. Mas eu gostaria de
poder ver mais meus filhos e netos", ela diz.
Aliás, para que Marta quer ser
prefeita? Pelo poder? Segundo ela,
para "fazer coisas"; o poder não
lhe deu nada que já não tivesse ou
não pudesse ter. E os aborrecimentos? O maior é não ter a liberdade de sair dirigindo seu carro
sem seguranças. Outros: ir a um
restaurante e no dia seguinte ler
no jornal o que comeu, quanto
custou o vinho, e, quando compra
uma roupa, publicarem quanto
pagou, se em cheque ou se no cartão, essas coisas.
Mas como ela faz quando quer
uma roupa nova? Liga para a loja,
diz que vai aparecer e pede para
fecharem meia hora mais tarde.
Ela detesta que levem uma mala
para escolher em casa, gosta de
fuçar nas araras.
E suas ambições políticas, vão
até onde? Quer ser vice de Lula?
"Eu, vice de Lula? Só penso em ser
prefeita por mais quatro anos, e o
segundo mandato vai ser bem
mais fácil do que o primeiro." E
gosta mais de fazer campanha ou
de administrar? "De administrar,
sem dúvida."
Ela não poupa os tucanos; conta
que, quando perdeu a eleição para
governadora -"foi uma manipulação", diz e repete-, no mesmo dia recebeu telefonema de
Serra pedindo seu apoio para Covas. Ela apoiou, mas não deixou
barato: "Serra, será que você não
podia esperar ao menos um dia?".
E por falar em Serra, ela tem alguma coisa parecida com o candidato? "Temos, os dois, uma formação intelectual, e lembro que a
primeira cliente que a mulher dele
teve foi arranjada por mim."
Marta é musa gay. Lutou -e
conseguiu- que a Parada do Orgulho Gay em São Paulo se tornasse uma das mais importantes
do mundo. Quando é preciso, ela
encara e briga, mas tem o hábito
de rotular de "preconceituosa" e
"machista" qualquer opinião diferente da sua. Quando foi eleita
prefeita, a pergunta do PT, nas internas, era: "Marta vai administrar São Paulo, mas quem vai administrar a Marta?"
Já no final da conversa com a
Folha, a prefeita perguntou: "Você é do Rio, não é? Então vem ver
uma coisa". Levantou-se agilmente -ela é extremamente
ágil-, abriu as portas da varanda
e mostrou a vista do Vale do
Anhangabaú, com o maior orgulho do mundo.
Há quem diga que o presidente
Lula fez o famoso discurso a favor
de sua eleição de tanto ela dizer
"EU QUERO, TEM QUE, TEM
QUE"; mas Marta diz que chorou
quando viu o presidente na televisão pedindo votos para ela.
E pedir votos é com ela mesma.
Na manhã da última sexta-feira,
dia seguinte ao debate da TV Globo, que terminou mais de meia-noite, Marta se levantou às 5h30 e
foi para o aeroporto de Guarulhos, onde recebeu os atletas da
Paraolimpíada. Às 11h estava fazendo corpo-a-corpo em Ermelino Matarazzo, na zona leste.
De aliança e com um anelzinho
com um brilhante discreto, o pique da prefeita é inacreditável.
Supla, vestido de Supla, foi dar
uma força à mamãe, e, na primeira loja em que entrou no bairro,
se encantou: "Que legal, isso é um
brechó?". Não, não era.
Marta começou a caminhada
pelo bairro da zona leste e parecia
que estava fazendo cooper, tal a
ligeireza; entrou em todas as lojas,
na quitanda, na leiteria, no açougue, apertou a mão de TODOS os
funcionários, deu abraços e beijos
em absolutamente TODAS as
pessoas, e dizia, olhando no olho:
"Quero seu voto, posso contar?
Tem de arranjar mais votos, estamos empatados". Isso fora os afagos em TODAS as crianças, com
direito a "e esse bonitinho é seu?"
E, no caso de a criança ser muito
pequena, se abaixar para beijar e
se levantar leve, leve, como se fosse uma bola de ping-pong. Cercada por pessoas do bairro, pela militância, pela segurança e pela imprensa, quando o ritmo da caminhada caía, ela tomava a frente e
dizia, batendo palmas, "vamos
gente, vamos gente", para que as
pessoas andassem mais depressa.
Qual será o energético que a prefeita toma no café da manhã?
Momento moda: Marta usava
uma linda camisa branca e em
nenhum momento a camisa saiu
de dentro da calça; no final do dia,
certamente, a camisa continuaria
alva, como será que ela faz?
E o que diz seu coração a respeito da eleição?
Ela respira e responde com a
maior certeza: "Vou ganhar. É o
meu destino".
A jornalista Danuza Leão é colunista da
Folha e escreve aos domingos na página 2 de Cotidiano
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