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CHOQUE
Especialistas pedem amplo debate entre muçulmanos, novas iniciativas para promover conciliação e esforços para evitar que islamismo seja associado a terrorismo enquanto manifestações antiamericanas e discriminações religiosas se intensificam. Se muçulmanos esperavam
uma discussão sobre a política externa dos EUA, Washington queria um debate em torno da ilegitimidade de atos de violência como meio para obter quaisquer que sejam os objetivos.
Cresce fosso entre islã e Ocidente
PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO
Osama bin Laden, considerado
o autor intelectual dos atentados
de 11 de setembro, disse que queria ampliar o fosso entre muçulmanos e não-muçulmanos. Um
ano depois, o "progresso" que obteve é inconteste, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Cresceram a islamofobia e o antiamericanismo. Líderes religiosos norte-americanos, como o reverendo Franklin Graham, condenaram o islamismo como "diabólico". Segundo o Conselho para
Relações Americano-Islâmicas,
com sede em Washington, os ataques afetaram profundamente a
vida dos muçulmanos nos EUA.
A maioria deles (57%) afirma ter
passado por algum tipo de discriminação desde então. Foram registrados mais de 2.000 atos de
violência contra muçulmanos
norte-americanos no último ano.
"A cruzada anunciada pelo presidente George W. Bush e a opção
exclusiva entre o bem e o mal não
contribuíram muito para um diálogo", afirma o teólogo saudita
Ahmad ibn Sayfuddin. "A guerra
contra o terror, para muitos muçulmanos, tem o islã como alvo,
basta ver as detenções com base
apenas na aparência. O amálgama
de islã e terror ressurgiu para justificar ações militares", diz.
Embora os EUA tenham elogiado a cooperação de seus aliados
árabes na campanha contra o terrorismo, aumentam os protestos
contra a política norte-americana.
"A relação dos países do Oriente
Médio com os EUA, à exceção de
Israel, decaiu muito", afirma Rosemary Hollis, chefe do Departamento de Oriente Médio no Instituto Real de Relações Internacional de Londres. "A frustração
com a ausência de um diálogo
deu lugar ao antiamericanismo."
Em abril, depois de proibida
uma de suas manifestações, estudantes egípcios atacaram um restaurante da rede Kentucky Fried
Chicken em protesto contra o que
consideram um alinhamento
americano a Israel.
Em uma ação incomum, manifestantes romperam a proibição
saudita contra protestos e organizaram um ato diante do consulado dos EUA em Dhahran (leste).
O apoio americano a Israel e os
preparativos para uma operação
militar contra o Iraque aumentaram a animosidade. O projeto
norte-americano de atacar o Iraque, embora o ditador Saddam
Hussein seja acusado de desenvolver armas de destruição em
massa, é condenado pelos dirigentes árabes. Para Mohammed
Sid Ahmed, editorialista do diário
egípcio "Al Ahram", os atentados
foram "uma humilhação pessoal
[para Bush", que deve ser vingada". "Foi um Pearl Habour e é necessário um Hiroshima/Nagasaki", embora "não haja ligação do
Iraque aos atentados".
O secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, resumiu, na última quinta-feira, o que pensam
muitos árabes e muçulmanos:
"Por que deveríamos insistir apenas na implementação das resoluções do Conselho de Segurança
por parte do Iraque? E Israel?".
Para Faissal Bodi, especialista
em islã, "uma das maiores distorções foi reduzir o complexo mundo islâmico a dois campos, o do
bem e o do mal. Os bons são os
que capitulam diante da política
externa dos EUA. Os maus são os
neutros ou discordantes. Outro
modo de descrever os dois grupos
é: moderados e extremistas. Os
primeiros se caracterizam por sua
complacência com um antagonismo político mais forte; os últimos,
por sua decisão de resistir".
Se os muçulmanos esperavam
uma discussão sobre a política externa dos EUA, Washington queria um debate em torno da ilegitimidade de atos de violência como
meio para obter quaisquer que sejam os objetivos. Especialistas em
islã, como Abdelwahab Meddeb
(leia entrevista) e Tariq Ramadan,
concordam. Professor de filosofia
e islamologia na Suíça, Ramadan
defende a necessidade de "renovação intelectual". Ele cita a tradição profética segundo a qual, "a
cada século, Deus envia à comunidade [islâmica] alguém para renovar a religião", o que não significa pôr em xeque as Escrituras.
"Reler os textos e reorientar o
pensamento em sociedades menos desenvolvidas e muitas vezes
submetidas a ditaduras exige paciência, conhecimento e pedagogia", afirma Ramadan.
Uma das iniciativas positivas na
promoção do diálogo inter-religioso é o "Egito pela Cultura e pelo Diálogo", liderada pelo egípcio
Muhammad Selim al Awa.
A comunidade islâmica dos
EUA anunciou para 11 de setembro um "dia nacional de união e
oração". "Uma mensagem unificada de harmonia por parte de organizações islâmicas americanas
vai motivar todas as pessoas de
boa vontade a transformar a memória de 11 de setembro em um
apelo pela paz, pela aceitação mútua e pela harmonia", disse Sayyid
Muhammad Syeed, secretário-geral da Sociedade Islâmica da
América do Norte.
No dia 11 de setembro, horas
após os atentados, grupos muçulmanos emitiram um comunicado
conjunto em que condenavam
"totalmente esses atos de terrorismo viciosos e covardes contra civis inocentes. Nós nos unimos a
todos os americanos para pedir a
imediata detenção e a punição
dos responsáveis. Nenhuma causa política poderia ser auxiliada
por tais atos imorais".
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