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Em busca da "árvore de ouro"
HISTÓRIA Pobreza, fome e falta de perspectiva
impulsionaram
os imigrantes
rumo ao Brasil,
que buscava mão-de-obra
FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL
No Japão, excesso
de população e fome em algumas
regiões. Em São
Paulo, falta de trabalhadores para os cafezais.
É nesse ambiente que começa a imigração japonesa para o
Brasil, uma história marcada
por contratempos internacionais, coincidências, fugas, perseguições, ascensão e tem como capítulo atual um giro de
180º -a imigração de brasileiros para trabalhar no Japão.
A história, na verdade, começa cerca de 40 anos antes da
chegada do Kasato Maru ao
porto de Santos. Ao final da década de 1860, há uma profunda
reorganização do Japão e o poder volta às mãos do imperador
(Restauração Meiji). Até então,
o país era praticamente feudal.
A mudança possibilitou que o
Japão entrasse na era da Revolução Industrial, o que ocasionou uma forte expansão das cidades. A população da região de
Tóquio, por exemplo, dobrou
de tamanho em 20 anos (entre
1888 e 1908). As terras para o
plantio de alimentos ficaram
insuficientes. Chegava a faltar
comida em alguns locais.
A Restauração Meiji trouxe
dificuldades adicionais para
parte da população, pois ficou
definido que apenas o filho primogênito teria direito à herança da família. Os demais descendentes ficavam sem nada.
Também cresceu a cobrança de
impostos sobre as terras.
Uma das alternativas do governo japonês foi incentivar a
emigração. Em um primeiro
momento, principalmente para os EUA e Canadá. Também
houve saídas para o Havaí.
Do outro lado do globo, dois
acontecimentos restringiram a
mão-de-obra nos cafezais de
São Paulo. O primeiro foi a abolição da escravatura, em 1888.
A solução então foi começar a
trazer imigrantes. No início da
década de 1900, porém, a alternativa definhou, pois o governo
italiano parou de subsidiar o
envio de pessoas ao Brasil.
O motivo foi o mesmo que,
mais tarde, também atrapalharia os imigrantes japoneses: as
condições de vida nos cafezais.
"Os italianos foram tratados
como escravos. Em seguida, os
japoneses foram as vítimas", diz
a historiadora Teresa Hatue de
Rezende, autora do livro "Ryu
Mizuno - Saga Japonesa em Terras Brasileiras", que conta a história daquele que é considerado
o pai da imigração japonesa para
o Brasil (leia na pág. 18).
Outro fator que influenciou a
vinda de japoneses ao Brasil
ocorreu em 1907. Em meio a
protestos contra a maciça presença de japoneses em seu território, os EUA fecharam um acordo com o Japão para inibir a imigração.
As decisões de Itália e EUA levaram a uma convergência de
interesses entre Brasil e Japão:
enquanto um estava com falta
de trabalhadores para suas fazendas de café, o outro estava
sem opções para atenuar o excesso populacional, em boa parte formado por agricultores.
Foi o momento de colocar em
prática acordos nipo-brasileiros. O acordo entre o governo do
Estado de São Paulo (representando os fazendeiros de café) e a
empresa japonesa responsável
pela emigração (presidida por
Ryu Mizuno) foi firmado em
1907.
Os cafeicultores e a companhia de emigração tiveram de
fazer uma intensa propaganda
para atrair interessados -poucos japoneses tinham ouvido falar do Brasil ou do café. A estratégia, mais tarde, foi adotada
também pelo governo japonês.
O Brasil era apresentado como um "eldorado", um local para enriquecimento rápido e com
fartura de recursos.
A publicidade comparava o
café a uma "árvore que dá ouro",
tamanha a rentabilidade que o
produto poderia trazer (o mercado mundial, porém, já enfrentava altos e baixos).
A estratégia convenceu principalmente os moradores de
Okinawa e Kagoshima (as duas
províncias com mais imigrantes
no Kasato Maru).
As despesas da viagem foram
bancadas pelos fazendeiros,
mas a dívida teria de ser paga
com a própria colheita de café,
em um contrato de ao menos
dois anos -tempos depois, o governo japonês passou a subsidiar a viagem.
"Não vieram os mais miseráveis, porque a família tinha de
bancar a viagem até o porto de
Kobe. Vieram aqueles que tinham alguns poucos bens, mas
que se viam sem perspectivas",
afirma Célia Sakurai, doutora
em ciências sociais pela Unicamp e pesquisadora da história
da imigração.
Em geral, também não vieram os primogênitos, pois eles
tinham direito à herança. Cada
família tinha de viajar com ao
menos três pessoas aptas a trabalhar, entre 12 e 45 anos.
A restrição foi imposta na
tentativa de evitar fuga dos cafezais, como ocorreram com outros imigrantes, que chegaram
solteiros.
Os japoneses tinham a expectativa de enriquecer rapidamente no Brasil. A maioria foi
para fazendas em Ribeirão Preto (313 km de São Paulo), onde
a cafeicultura se expandia.
"A idéia era ficar três, quatro
anos, pegar uma grana e cair fora", relata Masato Ninomiya,
professor da USP, que também
pesquisa a imigração.
O mercado de café, porém,
não estava tão aquecido, a safra
de 1908 foi ruim e os orientais
tiveram dificuldades em trabalhar com uma planta que desconheciam. Os imigrantes se
endividaram, tanto para a devolução do gasto da viagem como para as despesas nos armazéns das fazendas.
Além disso, eram vigiados o
tempo todo por capatazes e, em
geral, moravam em barracões
sem estrutura -muitos herdados dos antigos escravos.
Cornetas marcavam a hora
de acordar e de comer. A jornada, que passava das 12 horas
diárias de trabalho, começava
invariavelmente às 6h. Não entendiam a língua, sofriam com
doenças como a malária e estranhavam a alimentação.
Muitos então decidiram
abandonar as fazendas, mesmo
antes do fim do contrato. Dos
781 imigrantes do Kasato Maru, menos de 200 seguiam nos
cafezais um ano e três meses
depois da chegada.
"A maioria fugiu e começou a
se dispersar por São Paulo",
afirma o sociólogo Koichi Mori,
professor da USP.
Uma parte seguiu a linha do
trem em direção ao noroeste
paulista, para localidades como
Bauru e Marília, onde as terras
eram baratas e era possível
comprar ou arrendar um terreno -as levas seguintes de imigrantes também já não se concentravam em Ribeirão Preto.
Quando começaram a produzir, decidiram deixar o café em
segundo plano. Uma das apostas foi o algodão, para abastecer
as indústrias de São Paulo.
As famílias japonesas passaram a se agrupar em colônias.
Criaram associações culturais e
de lazer e também as primeiras
escolas, que ensinam tanto japonês quanto português.
Quando começam a prosperar nas novas propriedades, os
imigrantes começam a mandar
ao menos um dos filhos para a
capital ou para outra cidade
grande, para estudar.
Em 1923, Kinjo Yamato, passageiro do Kasato Maru, se formou na Escola de Odontologia
de Pindamonhangaba -é o primeiro registro de um imigrante
japonês a se graduar no país.
A vida dos imigrantes japoneses começa a sofrer restrições na metade da década de
1930, às vésperas da Segunda
Guerra Mundial (em que Brasil
e Japão ficam de lados opostos).
Passada essa fase, intensifica-se o fluxo rumo à capital
paulista, em busca de novas
oportunidades.
Os imigrantes procuram
principalmente atividades que
não precisam de uma intensa
comunicação com os brasileiros (pois muitos ainda tinham
dificuldades com a língua) e
que pudessem ocupar a família
inteira. "Por isso, viraram feirantes, donos de quitandas, tintureiros", diz Célia Sakurai.
Em 1948, Yukishigue Tamura é eleito vereador em São
Paulo e se torna o primeiro
membro da comunidade a ocupar um cargo eletivo na capital.
A imigração por barcos terminou em 1973, com a chegada
dos 285 passageiros do Nippon
Maru. De 1908 a 1973, foram
cerca de 250 mil os imigrantes.
Cerca de 15 anos depois, o
fluxo se inverte. O Brasil vivia
uma crise econômica, enquanto o Japão se desenvolvia intensamente, já como a segunda
economia do mundo.
Segundo os dados do Fundo
Monetário Internacional, o
produto interno bruto do Japão cresceu mais de 6% em
1988, quando começou a emigração de moradores brasileiros para o Japão. No mesmo
período, a economia brasileira
estava estagnada, após um período de recessão.
No primeiro momento, ocorre o retorno dos japoneses que
vieram ao Brasil como imigrantes. A partir de 1990, passam a ir filhos ou netos -após o
Japão permitir que descendentes pudessem trabalhar legalmente no país.
De acordo com dados do governo japonês, há 312 mil brasileiros no Japão (dado de
2006, último disponível) -número já maior do que o de japoneses que vieram para o Brasil.
Após a explosão da imigração
nos anos 1990, o fluxo permanece, mas em um ritmo menor.
Em 2006, a comunidade brasileira cresceu apenas 3,6%.
Fontes: Associação para Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil, Embaixada do Brasil no Japão, Museu Histórico da Imigração Japonesa e pesquisadores
FÁBIO TAKAHASHI é neto de japoneses. Seu
avô chegou ao Brasil em 1930 e sua avó, em
1934
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