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O mentor da primeira da primeira viagem
PATRONO DA IMIGRAÇÃO Empresário Ryu Mizuno negociou o acordo com fazendeiros paulistas que trouxe ao Brasil os imigrantes pioneiros, no navio Kasato Maru
DA REPORTAGEM LOCAL
Um homem letrado,
detentor de títulos
nobiliários, amigo
pessoal do imperador e aluno da
primeira turma da Universidade de Tóquio, à época restrita à
nobreza, é a personificação da
imigração japonesa no Brasil.
Presidente da Companhia de
Emigração Imperial, o empresário e empreendedor Ryu Mizuno foi o mentor e patrono da
vinda dos primeiros navios
com trabalhadores japoneses
para os cafezais paulistas.
A história de Mizuno com o
país começou com um relatório
do então embaixador japonês
no Brasil, que relatou ao seu governo o crescimento das fazendas de café e a precariedade da
mão-de-obra com o fim da escravidão. À época, países como
os EUA, Austrália e o Reino
Unido restringiam a entrada de
imigrantes de origem asiática.
Da parte do Brasil, o interesse pelos japoneses era justificado pelo fim do fluxo de imigrantes italianos, que deixou o
campo com falta de braços.
Era a equação que Ryu (dragão, em japonês) precisava para
trazer os "soldados da fortuna",
como descreveu os imigrantes
que embarcaram no Kasato
Maru, o navio que trouxe a primeira leva de 781 japoneses e
chegou ao porto de Santos em
18 de junho de 1908. "No Brasil,
existe uma árvore que dá ouro:
o cafeeiro. É só colher com as
mãos", diziam cartazes do período espalhados por Mizuno
no sudeste do Japão.
Ryu Mizuno fez a viagem de
52 dias no Kasato Maru e registrou a experiência num diário.
Segundo Ryusaburo Mizuno,
filho que mora em Curitiba, o
pai, que nasceu em 1859 na província de Kochi, era dono de
um casarão que tomava uma
quadra inteira em Tóquio e, numa das diversas viagens que fez
ao Brasil antes de trazer os imigrantes, foi o primeiro a levar o
café ao Japão, que os nobres japoneses, desavisados, cozinharam e comeram como feijão.
Segundo a pesquisadora Tereza Hatue de Rezende, autora
do livro "Ryu Mizuno, Saga Japonesa em Terras Brasileiras",
numa viagem ao Brasil em 1906
o empresário conheceu o então
governador paulista, Jorge Tibiriçá, e o secretário da Agricultura, Carlos Botelho. No ano
seguinte, com a mudança da lei
de imigração, fez um acordo
para trazer 3.000 japoneses para São Paulo em três anos.
Em 1926, na oitava passagem
pelo Brasil, Mizuno recebeu do
governo do Paraná 2.767 hectares de terra para fundar uma
colônia, a Alvorada.
Numa das viagens a negócios
ao Japão para levantar dinheiro e investir na colônia, é declarada a Segunda Guerra. Brasil e
Japão cortaram relações diplomáticas, e Mizuno não pôde
mais retornar ao país.
Quando finalmente voltou
ao Paraná, em 1951, depois da
guerra, o filho Ryusaburo perguntou: "Pai, como é o Japão?"
E ouviu: "Nunca vi tanto negro
na vida", em alusão aos soldados norte-americanos. Na volta, idoso, o pai não se lembrava
do filho mais novo.
Ryu tinha uma primeira família no Japão, mulher e dois
filhos, que morreram de tuberculose. Mizuno e a segunda
mulher, que só veio ao Brasil
depois do terremoto que devastou Tóquio em 1923, só falavam japonês e não sabiam nada
de português. As únicas palavras da mãe eram "bom dia" e
"até logo". O pai, nem isso.
Segundo Mizuno filho, o pai
bebeu até os 60 e morreu fumando cachimbo, feito em ouro maciço. No Brasil, Ryu Mizuno criou o hábito de tomar
guaraná em pó com cascavel
torrada todos os dias.
Na idade avançada, só se alimentava de mingau de aveia.
Morreu menos de um ano depois de regressar ao Brasil do
exílio da guerra. Era um homem magro, mas forte. Caminhava seis quilômetros por dia,
mesmo depois dos 90 anos.
Ao acordar religiosamente às
7h, conta o filho, virava-se na
direção do sol nascente e fazia
orações durante duas horas.
Repetia de cor um discurso do
imperador e o nome de cem
pessoas próximas que já haviam morrido e tiveram importância na sua vida.
Depois, ia ao escritório para
ler e responder às cartas. E escrevia poemas. As sessões eram
secretas, e nem a mulher assistia ao trabalho intelectual.
Pouco antes de morrer, Mizuno escreveu um poema: "Os
anos se passaram e eu fiquei velho/Choro/Não pude realizar
meu sonho/Minha alma não
festeja/Agora estou partindo
para o campo do Éden".
Ryu Mizuno morreu em
agosto de 1952 na Vila Sônia
(zona oeste de São Paulo), aos
93. Está enterrado no cemitério do Araçá. A mulher, Maki,
morreu em 1996, aos 97. Foi
enterrada em Curitiba, mas a
ossada foi transferida recentemente para o túmulo do marido. Teve quatro filhos com Ryu
Mizuno. Um já morreu.
(VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO)
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