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ARTIGO
Contardo Calligaris
A ADOLESCÊNCIA ACABOU?
A pesquisa de hoje mostra
a mesma coisa que, aparentemente,
descobrimos a cada vez
que sondamos os adolescentes:
eles são tão caretas quanto a
gente, se não mais.
Eles se preocupam sobretudo
com família, saúde, trabalho
e estudo. Seu maior sonho é a
realização profissional -não
empreendimentos fantasiosos,
mas o devaneio de qualquer
mãe de classe média: ser médico,
advogado ou encontrar um
bom emprego que lhes garanta
casa própria e carro.
Em matéria de política, a
maioria se posiciona à direita
ou ao centro e não tem interesse
em participar de movimentos
sociais. Eles têm opiniões
parecidas com as da média nacional:
são contra a legalização
do aborto, contra a descriminalização
da maconha e a favor
da diminuição da maioridade
penal. Sobre a pena de morte,
estão divididos meio a meio.
Não são aventurosos: têm
pouca vontade de viajar e estão
preocupados com a violência.
Na hora do sexo, têm muito medo
da Aids.
Quanto às drogas, espantalho
dos pais, eles preferem a que os
adultos se permitem, o álcool.
Cúmulo para quem imagina
que os adolescentes sejam contestatórios:
em sua maioria, eles
acham que o que aprendem na
escola é de grande utilidade para
o futuro.
Em suma, a surpresa da pesquisa
de hoje não está nos resultados,
mas no nosso susto
ao lê-los: ainda acreditávamos
numa visão cinematográfico literária
da adolescência. Ou seja,
supúnhamos que os adolescentes
fossem insubordinados
e visionários. Será que já foram
e desistiram? Ou será que nunca
foram, como sugere a comparação
com a pesquisa Datafolha
de 1998 e com outra, da revista
"Realidade", de 1967?
A adolescência como época
separada e específica da vida foi
inventada nos anos 1950 e 1960.
É nessa época que o cinema e a
literatura (narrativas inventadas
pelos adultos) criaram a figura do adolescente revoltado,
ao qual foi confiada a tarefa de
encenar as rebeldias inconfessáveis
e frustradas dos adultos.
Uma explicação materialista
para esse fenômeno diz que, no
quase pleno emprego do pós-guerra
europeu e americano,
era bom que os jovens levassem
mais tempo antes de chegar ao
mercado de trabalho; ou, então,
que um tempo maior de preparação
e estudo era exigido por
um mercado de trabalho cada
vez mais especializado.
Outra explicação, menos materialista,
diz que os adultos, na
pequena prosperidade do pós-guerra,
achavam sua vida um
pouco chata (e era, de fato, mais
do que nunca, massificada). Os
adultos, portanto, sonhavam
com aventuras às quais pareciam
ter renunciado em troca
de uma casa, um liquidificador,
dois carros e uma TV. E eles inventaram
a adolescência como
encarnação de sua vontade de
uma vida menos enlatada.
A invenção cultural da adolescência
nem sequer transformou
a maioria dos adolescentes
em rebeldes. Mas produziu um
clima suficiente para que, aos
20 anos, alguns membros da geração
nascida logo após a guerra
chutassem o balde que os adultos
queriam, mas não sabiam chutar:
contracultura, aspirações sociais,
revolução sexual etc. O mundo ficou melhor para todos.
Mas foi um momento especial,
em que a insatisfação reprimida
dos adultos do pós-guerra
delegou aos jovens uma missão
quase revolucionária.
Desde então, é como se a adolescência
tivesse perdido sua
razão de ser.
Resta, aos adultos, a expectativa
de que os adolescentes
corram os riscos que a gente
não quer mais correr ou nunca
quis, de que eles sejam nossa face
audaciosa, sedenta de experiências
e de terras incógnitas, generosamente
preocupada com
um mundo melhor. Mas é uma
expectativa vaga, que se confunde
com nossa vontade periódica
de tirar férias.
Hoje, quais são nossas aspirações
extraordinárias e escondidas?
Quais os sonhos que
os adolescentes defenderiam e
encenariam para nós? São apenas
visões de nós mesmos, um
pouco mais bem-sucedidos.
O tempo da adolescência acabou.
O que sobrou dele? Talvez
apenas uma trilha sonora.
CONTARDO CALLIGARIS, 59, é psicanalista,
colunista da Folha e autor de livros como "O
Conto do Amor" (Companhia das Letras) e "A
Adolescência" (Publifolha)
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