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ATENAS 2004
Primeiras representantes do país são símbolo de maior esforço para aumentar número de mulheres nos Jogos
Afegãs puxam fila por ofensiva feminina
GUILHERME ROSEGUINI
MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Robina Muqimyar correu como nunca, cruzou a linha de chegada, olhou para o cronômetro e
pôs as mãos no rosto, envergonhada. Terminara os 100 m rasos
em 15s, quase quatro segundos
atrás da primeira colocada.
"Não é um bom tempo para a
Olimpíada, é?", perguntou.
Definitivamente não. Mas o resultado nos Jogos Sul-Asiáticos,
que poderia desacreditar qualquer velocista, não irá manchar
sua participação em Atenas.
A adolescente de 17 anos será,
ao lado da judoca Friba Razayee,
18, a primeira afegã a disputar
uma Olimpíada. Mais: é o símbolo de um esforço jamais visto para
tentar ampliar a participação feminina nos Jogos.
A ofensiva é encabeçada pelo
Comitê Olímpico Internacional e
conta com a ajuda de ONGs, principalmente de muçulmanos, que
vêem o esporte como forma de integrar as mulheres à sociedade.
O objetivo em Atenas é baixar
para zero as delegações sem participação feminina. Em Sydney-2000, foram nove -Brunei, Líbia,
Emirados Árabes, Ilhas Virgens,
Kuait, Omã, Qatar, Arábia Saudita e Botsuana-, um avanço significativo em relação a Atlanta,
quando 26 só enviaram homens.
A expectativa é que a participação feminina na Grécia represente
40% do total de atletas. Os números oficiais serão divulgados até o
início dos Jogos, no dia 13.
"Pedimos aos 202 países que estarão em Atenas para que levem
mulheres", disse Anita DeFrantz,
presidente da Comissão de Esportes e Mulheres do COI. O comitê
chegou a falar em retaliações a
quem não acatasse o pedido.
O Afeganistão já foi punido pela
entidade. Em 1999, o país foi banido dos Jogos por causa da discriminação do Taleban contra as
mulheres. Só foi reintegrado em
2003, após a queda do regime.
Foi nesse cenário que Muqimyar e Razayee começaram a dar os
primeiros passos para superar as
limitações das leis muçulmanas e
os escombros do país.
"Dizem que garotas não podem
praticar esportes. A razão é que
passaram 25 anos fazendo guerra,
não esporte. Não dou ouvidos a
eles", disse Muqimyar à Folha.
Ela corre na esburacada pista do
Estádio Olímpico de seu país, usado pelo Taleban para execuções.
A velocista, que há menos de
dois anos nem sabia quem era a
campeã olímpica Marion Jones,
não foi a mais rápida nas seletivas
do país. Ganhou a vaga porque a
família das outras meninas não
permitem que elas viajem.
Limitações como esta, impostas
pela religião, são o principal entrave em países muçulmanos.
"Muitos acreditam que o esporte pode prejudicar suas filhas, que
elas perderão a virgindade e ficarão impedidas de casar", contou
Parvin Darabi, presidente da Fundação Hona Darabi, que milita
pelos direitos das muçulmanas.
Em 1996, em parceria com a
ONG Atlanta +, ela trabalhou para que o Irã levasse aos Jogos a atiradora Lida Fariman, primeira
iraniana a competir desde a Revolução Islâmica, em 1979.
Coberta sempre dos pés à cabeça, Fariman não enfrentou um
dos maiores obstáculos das muçulmanas, a exposição. A religião
as proíbe de mostrar o corpo.
"Vou vestir o que derem. Não
tenho medo, estou feliz. Aprendi
com o Taleban como ser oprimida. Agora, quero ensinar como
superar isso", disse Muqimyar,
que correrá de calça em Atenas.
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