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TURISTA OCIDENTAL
Um passeio aos banheiros públicos de Suwon, com fachada, terraço, flores, música e, claro, leitura
A LUXÚRIA DO LUGAR SOLITÁRIO
MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A SUWON
Parece coisa de maluco, e talvez
seja mesmo. Mas uma providencial maluquice, como sabe qualquer um que já tenha passado pelo sufoco de não encontrar um
banheiro decente na hora do
aperto -e quem não passou?
A Prefeitura de Suwon, cidade
sul-coreana que receberá quatro
jogos da Copa do Mundo, inclusive Brasil x Costa Rica, no dia 13,
teve a idéia: queria oferecer aos
turistas algo mais que o novo estádio e o sítio histórico da Fortaleza
Hwaseong, do século 18.
Resolveu: iria superar um "atraso de dez anos" em relação "à cultura japonesa de banheiros públicos" e faria os mais bonitos do
mundo. Acha que conseguiu. Haja estranheza: ao entrar em um
dos 33 banheiros já construídos, a
pessoa penetra numa antiga fortaleza, numa tradicional casa coreana, numa de arquitetura contemporânea, noutra em forma de
pote ou castelo. Cada banheiro
com uma fachada.
Dentro, são diferentes. Porém
exibem traços comuns: são repletos de flores e há sempre música:
clássica ou daquele tipo "para relaxar". A obsessão com flores é tamanha que nas alas masculinas,
sentado, até encerrar o serviço
contemplam-se quadros emoldurados com imagens florais. De pé,
em mictórios coloridos, há buquês naturais diante do nariz.
No banheiro Banditbuli, o terraço -o banheiro tem terraço!- é
um mirante virado para a montanha e o lago. Os construtores não
quiseram privar tal cartão postal
de quem urina: "A frente dos mictórios é feita de vidro para que se
aproveite a vista e se ouça música", divulga a prefeitura num catálogo promocional.
Sobre música: não se conhece o
critério, se algum estudo sobre o
efeito de suas composições no esforço humano para satisfazer certas necessidades, mas o veneziano
Antonio Vivaldi (1678-1741) foi
honrado com o batismo de um
banheiro com o seu nome.
Assim, o cidadão vai até a estação ferroviária Seongkyunngwandae, caminha cem passos e
resolve seus problemas ao som de
"As Quatro Estações".
Pode demorar, porque até nisso
pensaram. À entrada de cada banheiro foram instaladas prateleiras com livrinhos e folhetos, para
se ter o que ler durante outras tarefas. Não precisa devolver. Os livros, para evitar filas, são pequenos. Nada, por sorte, de tijolos como "Guerra e Paz".
Banheiro é coisa séria. Um jornalista brasileiro, cuja identidade
se preservará, viveu um pesadelo
nos primeiros meses de casamento. De tal modo habituado à residência dos pais, com quem morava, não conseguia frequentar o
banheiro do novo lar quando determinadas atitudes urgiam. Corria para a velha casa, vizinha.
Na luxúria dos banheiros de Suwon, o ocidental, em geral, e o
brasileiro, em particular, se ressente da ausência de grafitos,
aquelas mensagens, quase sempre baixarias, que motivaram teses acadêmicas e livros. Aqui, ninguém escreve nada. Não se vê, em
qualquer idioma, algo como o
clássico citado por universitários
brasileiros, que registra variações
de palavras conforme o Estado:
"Neste lugar solitário/ Onde a vaidade se apaga/ Onde todo fraco
faz força/ E todo valente se...".
Os banheiros mais simples têm
privadas comuns, com assento
protegido por um plástico que gira a cada visita. Outras são de madeiras nobres, como se costuma
ver em revistas de decoração.
O sinal de ocupado é uma luz
dentro de um quadro florido. Os
espelhos são amplos. Há toalhas
de todo o tipo, inclusive com rajadas de ar que secam de verdade.
Vidros com desenhos em relevo
separam mictórios. Cada cabine
tem uma ventilação específica.
Funcionários borrifam perfume.
A energia é solar.
No banheiro Daseulgi, na ala feminina ocupam o mesmo espaço
um sanitário de adulto, para a
mãe, e um de criança, para o filho.
A suntuosa bancada de uma das
pias busca, segundo a prefeitura,
reproduzir "o charme dos toaletes
de cafés".
No caminho dos sanitários, há
aquários coloridos. No banheiro
Pot, as mulheres também têm à
disposição secador de cabelo.
Esses serviços são gratuitos. A
maioria dos banheiros ficou
pronta nos últimos dois anos. O
projeto é de 1997. Cada um custou
o equivalente de R$ 85 mil a R$
121 mil. O banheiro Sukji consagrou o segundo piso, ao ar livre,
como ponto de encontro de moradores. Os banheiros estão distribuídos por toda a cidade, que
tem 913 mil habitantes e fica cerca
de 50 km ao sul de Seul. Ainda são
minoria em relação ao total mantido pelo município.
Instalações como essas teriam
sido preciosas no episódio da
Maldição de Montezuma: na Copa do Mundo de 1986, no México,
quase todos os jornalistas brasileiros foram vítimas do estrago
intestinal provocado pela culinária local. Houve descompasso no
tempo e no lugar: a Maldição de
Montezuma e os banheiros de Suwon nasceram um para o outro.
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