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ATENAS 2004
Kevin Hall, na vela, e Dana Vollmer, na natação, lutam contra discriminação e morte para tentar pódios
Justiça e gana põem deficientes nos Jogos
DO ENVIADO A ATENAS
Kevin Hall procura seu médico
uma vez por semana, estende o
braço direito e pede uma injeção
de testosterona. Quando a aplicação termina, deixa o consultório
com a sensação de estar pronto
para domar os ventos no mar.
É a descrição perfeita de um ritual de doping, não fosse o protagonista um atleta que vai competir em Atenas respaldado por sua
pitoresca história no esporte.
Hall integra o seleto grupo de
pessoas com deficiências físicas
que estarão na disputa por medalhas nos Jogos. Ele recebe testosterona (hormônio masculino) via
injetável porque seu organismo
não é capaz de produzi-la.
Tudo começou com o diagnóstico de um câncer em 1991. Em
dois anos, o velejador precisou retirar os testículos. Dali em diante
iniciou uma verdadeira via-crúcis
para se manter no esporte.
A razão: testosterona sintética é
também usada por competidores
que buscam aumentar a força e a
potência muscular.
"Eu sou reprovado em todos os
testes antidoping porque preciso
tomar hormônio artificial. Os dirigentes nos EUA chegaram a me
impedir de velejar em torneios.
Fiquei irritado e resolvi protestar.
Só consegui o direito de vir para
Atenas na Justiça", afirma o competidor de 34 anos.
Além dele, a Folha também ouviu os outros dois deficientes que
chegaram aos Jogos da Grécia.
Dana Vollmer, conterrânea de
Hall, não precisou lutar nos tribunais, mas também viveu uma situação das mais pitorescas.
Seu caso é diferente. Em março
do ano passado, a nadadora descobriu que sofria de um problema
no coração. Grosso modo, o órgão poderia parar de funcionar
subitamente quando ela estivesse
praticando atividade física.
"Recebemos três opções dos
médicos. Dana deveria parar de
nadar, fazer uma cirurgia ou
transportar um desfibrilador cardíaco para todos os lugares", explica sua mãe, Cathy Vollmer.
O período sabático depois da
operação certamente a deixaria
de fora das seletivas dos EUA, realizadas em julho. Então, Dana, 16,
escolheu a terceira via.
Nesta semana, ela vai desembarcar em Atenas com o aparelho
usado para controlar a fibrilação a
tiracolo. E tem uma missão no
país que vai além das piscinas.
"Vou procurar me concentrar,
mas sei que arrumarei tempo para rever na Vila algumas nadadoras brasileiras que conheci durante os Jogos Pan-Americanos de
Santo Domingo, no ano passado", conta a competidora, sem se
recordar dos nomes.
Ela pode colocar a conversa em
dia com as atletas do Brasil, mas,
se precisar de conselhos, deve ir
para a pista e procurar por Marla
Runyan, 34, a corredora que tem
apenas 5% de visão -é considerada legalmente cega- e vai defender os EUA nos 5.000 m.
Sua disfunção, ao contrário da
de Danna, foi detectada há muito
tempo. Antes de completar 15
anos, Marla descobriu que sofria
de uma doença degenerativa. Não
havia cura.
O mal de Stargardt provoca a
depravação da mácula, no centro
da retina, a mais interna das camadas de cada globo ocular.
Uma mancha enevoada ocupa o
centro da imagem. A visão periférica (contornos do campo visual)
sofre poucos danos.
Assim, ela se orienta estabelecendo pontos de referência em
marcas no chão e até em pessoas
prostradas nas arquibancadas.
Atenas será sua segunda Olimpíada. Em Barcelona-1992 e
Atlanta-1996, Marla ganhou medalhas de ouro nos eventos destinados a deficientes visuais. "Depois, percebi que tinha condições
de correr com os melhores."
Em Sydney-2000, ela se classificou à final nos 1.500 m e concluiu
sua participação na oitava colocação. Agora quer mais. "Ganhei
confiança nesse tempo, aperfeiçoei a minha técnica e vou concorrer em outra prova, os 5.000
m. Quem sabe não chego ao pódio?".
(GUILHERME ROSEGUINI)
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