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Após pena por uso de substâncias proibidas, sobreviventes vêem chance de redenção na medalha olímpica
Atletas tentam aplacar cicatriz do doping
GUILHERME ROSEGUINI
MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL
O tempo ajuda, mas não apaga
todos os vestígios. O carimbo de
positivo no teste antidoping vira
uma cicatriz. Não há como fugir.
Voltar a competir após a punição e recuperar o status perdido
não é tarefa fácil. Mas, para muitos atletas, o retorno diminui a
mancha deixada no currículo pelo uso de substâncias proibidas.
A nadadora Claudia Poll acaba
de dar o passo inicial dessa jornada. Seu plano para chegar ao pódio na terceira Olimpíada consecutiva foi interrompido em 2002.
Às 7h do dia 23 de fevereiro, a
costarriquenha recebeu a visita de
um médico que requeria uma
amostra de urina. Era o teste batizado "fora de competição".
O resultado apontou a presença
de nandrolona, que aumenta a
força e a potência muscular. Poll
pegou dois anos de suspensão.
"Foi um período ruim. Você
tem a impressão que vai passar a
vida toda sofrendo", conta a atleta, ouro em Atlanta-1996 e bronze
em Sydney-2000 nos 200 m livre.
Em abril, escolheu o Nacional
da França para retomar a estrada.
Ficou em terceiro nos 400 m livre
e já avisou que vai a Atenas. "Só
não pensei em desistir, pois tenho
consciência que sou inocente."
Exaltar a inocência, aliás, é um
dos métodos mais utilizados por
quem vive essa experiência.
"Como o doping é invariavelmente fruto de pressões externas,
com a dos patrocinadores, o atleta
encontra uma justificativa. Eles
pensam na linha "usei, mas fui
coagido. Logo, não tive culpa'",
explica Luis Scipião, doutor e livre
docente em psicofisiologia.
O alemão Dieter Baumann, flagrado em 1999, por exemplo, diz
que seu caso foi político: "Me puniram só para servir de exemplo".
Ouro em Barcelona-1992 nos
5.000 m, ele voltou às pistas em
2002, aos 37 anos. No ano passado, anunciou a aposentadoria.
Mas negar o uso da droga nem
sempre é a melhor forma de aplacar as pressões. Giba, astro da seleção de vôlei, testou positivo para
maconha no ano passado. O chamado doping social rendeu-lhe
dois meses de punição e abalou
sua imagem de "bom moço".
Giba assumiu o "erro" e tentou
se transformar em exemplo.
"Quando o atleta é pego no doping, você tem que mostrar que
um dia ele vai voltar. Foi punido
pelo erro, cumpriu a pena, deu o
seu exemplo e deve seguir de cabeça erguida", afirma Kiko Pereira, técnico do judoca João Derly.
Seu pupilo passou pelo mesmo
drama em 2002. Aos 20 anos, foi
pego usando diuréticos. Derly
não conseguia se manter com
60kg (limite da categoria ligeiro).
Amargou seis meses parado.
"Eu cheguei a pensar em não
continuar", afirma o judoca.
Superado o trauma, ele voltou
ao tatame e conseguiu se adaptar
à nova categoria (até 66 kg).
Após dois meses de briga na
Justiça, Derly entrou no tatame,
mas perdeu a vaga olímpica.
Para esses esportistas, lidar com
a frustração de ver os rivais superando seus feitos é quase tão angustiante quanto conviver com a
marca deixada pelo teste positivo.
"O desafio do atleta é achar uma
nova forma de preencher o vazio
que o doping deixou. Ele precisa
fortalecer a auto-estima e ganhar
muita confiança", relata Scipião.
Poll encontrou apoio na religião. "Deus está com seus filhos
que dizem a verdade. Coloquei
tudo nas mãos dele", declara.
Outros atletas escolhem expor
seus dramas para lidar com eles.
"Escrevi um livro sobre isso [o doping] para melhorar minha condição mental", diz Baumann.
Alguns calam, como Elisângela
Adriano, flagrada em 1999. A brasileira, que já tem índice no arremesso de peso, não fala mais sobre doping. É o caminho que escolheu para esquecê-lo.
O desafio final é talvez o mais
complicado. Nos primeiros torneios após a suspensão, os esportistas precisam afrontar o preconceito dos rivais e as dúvidas quanto à eficácia da recuperação. "Só o
tempo e os resultados vão diminuir a pressão", conta Scipião.
A Olimpíada de Atenas, em
agosto, pode consagrar algumas
dessas histórias. Atletas como
Poll e Elisângela levam o currículo borrado pelo doping. Mas sabem que uma medalha pode cobrir parte da mancha.
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