|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"São 8 anos com ele, estou cheio de ser um subalterno"
Nas primeiras seis
semanas após o
escândalo de Colorado ter estourado, eu não conversei com Kobe
[Bryant]. Ele nunca ligou de volta. Considerando
suas ansiedades, não fiquei ofendido. Kobe faria confidências só
para as pessoas em que confiava,
e não era meu caso. Mitch [Kupchak, gerente-geral do LA Lakers] e eu matutávamos se ele poderia abdicar da temporada.
Não precisamos pensar demais:
recebemos recado do pessoal de
Kobe avisando que ele pretendia
lidar com a temporada que estava
por vir como qualquer outra.
Emfim, no início desta semana,
Kobe apareceu. Parecia desolado
e bem mais magro. Ele joga basquete desde os 3 anos. Ama o jogo. Perceber que ele não estava
bem fisicamente foi um choque.
"Nós queremos que você saia
dessa. Está tendo ajuda?", questionei. "Tem com quem se abrir?"
"Não."
Não abordamos o problema dele. Estávamos ali para falar sobre
os ajustes para tornar bem-sucedida a próxima temporada.
"Neste ano, não vou engolir nenhum sapo de Shaq [Shaquille
O'Neal]", afirmou Kobe. "Se ele
começar a falar coisas pela imprensa, rebaterei. Estou farto."
Olheio-o nos olhos e dei-lhe um
abraço. Não importava o que havia acontecido no passado, ele era
um membro da família Lakers.
"Shaq não me telefonou neste
verão", disse Kobe a Mitch.
"Kobe, eu te passei uma mensagem dele", respondeu Mitch. "Ele
te convidou para ir a Orlando para esfriar a cabeça."
"Ele não tem que enviar mensagens. Sabe como me achar."
O diálogo revelou a contradição
na atitude de Kobe em relação a
Shaq, uma evidência de uma dicotomia muito mais ampla em
sua psique. Por um lado, insistia
que não iria mais engolir o que o
grandalhão fizesse; por outro,
mostrava que se importava, sim,
com o que o grandalhão fazia.
Decidi contratar um terapeuta
para me ajudar a lidar com o que
eu via que seria a mais turbulenta
temporada de minha carreira como treinador. Selecionei um que
tem lidado com comportamento
narcisista em sistemas de ensino
público de Los Angeles. Ele se
sentirá em casa aqui.
Desde que as acusações foram feitas, Kobe tem sido
tratado de forma
extremamente
afável pelos Lakers. Nós concordamos em cobrir uma porcentagem de seus gastos com as viagens para Colorado, local das audiências. Isso custará milhares de
dólares. Kobe mostrou-se insatisfeito com o tipo de avião escolhido -queria um mais sofisticado.
Depois de três vitórias e cinco derrotas na pré-temporada, começamos a treinar duro poucos dias
atrás para o jogo
de abertura, diante do Dallas.
Sendo este time os Lakers, a
mais antiga novela em exibição
no esporte profissional, tem havido muito intriga nos bastidores
nas últimas 72 horas. As estrelas
do mais recente capítulo? Kobe
Bryant e Shaquille O'Neal, óbvio.
Soube das notícias enquanto assistia a um vídeo dos Mavericks.
Bateram na porta. Kobe entrou.
"Ele começou."
Não precisei perguntar quem
era "ele". "Você está brincando."
Estava no jornal Shaq sugerindo que Kobe precisava confiar
mais em seus colegas até estar novamente em totais condições.
"Kobe, o que há de errado nisso? Shaq está certo. É exatamente
o que queremos que você faça."
Depois do treino, Kobe atirou
de volta em Shaq, pela imprensa,
exatamente como prometera.
"Eu não preciso de conselhos sobre como devo jogar. Sou armador, sei como atuar ali. Ele deve se
preocupar com o garrafão."
A guerra começava.
"Ele não precisa de aconselhamento para atuar em sua posição", afirmou Shaq. "Mas sim sobre como atuar coletivamente. Se
é meu time, darei minha opinião.
Se ele não gosta, pode cair fora."
E assim foi, os dois protagonistas em plena forma. Por que não
se entendiam? Tenho minhas teorias. Uma delas é que Shaquille
ganha um dinheiro -cerca de
US$ 25 milhões/ano- que Kobe
nunca irá ganhar devido às alterações no acordo trabalhista da liga.
Os jornais, nem é preciso dizer,
têm tratado da rixa Kobe-Shaq
como se fosse uma nova versão
de Caim x Abel. "É o retorno de
"Guerra nas Estrelas'" foi a manchete do "Los Angeles Times".
O que os Lakers pudessem fazer
para controlar o monstro, teriam
de fazer rápido. Telefonei para o
terapeuta. "Coloque-os a par [da
situação]", recomendou. "Diga-lhes que as coisas que estão dizendo sobre o outro não estão fazendo bem a ninguém." Ele mencionou um termo psicológico para
essa estratégia de controle de danos: supressão. Puxei Shaq de lado, e Mitch ficou com Kobe.
Shaq não parecia disposto a suprimir nada. "Phil, eu tenho um
meio-irmão", disse ele, "e quando
era jovem, eu era o pária. Tudo
que eu fazia era errado, e tudo
que ele fazia era certo. É o mesmo
com Kobe. Sou criticado por tudo. Fico como o vilão da história,
e ele pode fazer o que bem entende. Gostaria de esmurrá-lo."
Disse a Shaq que o compreendia, mas também que era necessário deixar essa rixa para trás logo. Ele concordou em silenciar.
Esta era uma outra diferença
básica entre ele e Kobe. Peça a
Shaq para fazer uma coisa, e ele
dirá: "Não, não quero." Mas, depois de fazer um pouco de manha, acata. Peça a Kobe, e ele dirá:
"Ok." E então fará o que quer.
Contra nossas instruções, Kobe
concedeu uma entrevista avisando que, se ele deixar os Lakers, será devido "ao egoísmo infantil e
às atitudes ciumentas" de Shaq.
Demais para a supressão.
No caminho à
quadra, perguntei
a Kobe, que se recuperava de lesão,
se estava pronto
para correr. Claro, ele respondeu,
logo depois do tratamento.
Passou-se quase uma hora, nem
sinal de Kobe. Finalmente, com
um saco de gelo no ombro, ele
sentou-se ao lado da quadra. Comecei a desconfiar que Kobe não
tinha a menor intenção de correr.
Encerrado o treino, segui-o até
o vestiário e indaguei o porquê de
ter mentido para mim. Ele estava
sendo sarcástico, foi a resposta.
Resposta errada. Eu não estava
para brincadeiras. Fui até o escritório de Mitch. Falei sobre a necessidade de negociar Kobe. "Não
estarei no comando deste time na
próxima temporada caso ele esteja aqui", disparei, enfaticamente.
"Ele não irá escutar ninguém. Estou cheio desse moleque."
Quando Shaq e
Rick [Fox] desceram do ônibus
perto de nosso
hotel em Miami,
eu pedi que fossem ao meu quarto para uma rápida reunião.
Em um treino na véspera, Kobe,
que havia dito que seu dedo não
estava bom o suficiente para
atuar, estava arremessando com a
mão esquerda quando eu lhe disse para que não se tornasse uma
distração [para os outros]. Eu precisava trabalhar com os jogadores
que iriam para o jogo.
"Distração", disse ele, em tom
de zombaria, incapaz de resistir a
dar mais um arremesso.
Shaq e Rick sentaram-se. Fui direto ao ponto. "O que vocês
acham da idéia de eu oferecer a
Kobe uma licença excepcional?"
Eles também não perderam
tempo. Kobe, presumiam eles,
contribuiria com o time tão logo
recuperado da contusão no dedo.
Foi gratificante notar o genuíno
senso de compaixão, especialmente vindo de Shaq, que era um
suposto inimigo de Kobe.
A imprensa, com seu sensacionalismo, com a cobertura insulto
a insulto, captou somente um
componente de uma relação bastante complicada entre dois orgulhosos superastros. Shaq e Kobe
nunca serão amigos, porém eles
permanecem unidos por uma
meta comum, cada um sabendo
no íntimo que não tem como
triunfar aqui sem o outro.
Um bate-papo
com Kobe revela
freqüentemente
uma de suas muitas tendências
narcisistas.
Após eu ter dito
que acreditava
que ele e Shaq tinham mostrado
que poderiam jogar juntos com
eficiência, ele provou isso no Jogo
das Estrelas -Shaq brilhou. "Eu
consegui que ele conquistasse o
prêmio de MVP [melhor jogador]", disse Kobe. "Sei fazer de
Shaq o melhor."
Aí Kobe expressou sua desaprovação pela ausência de Shaquille no treinamento do dia. "Isso mostra que tipo de líder ele é."
Ele estava irritado com as permissões que os Lakers davam para Shaq, sem notar a hipocrisia de
suas acusações. Ninguém, neste
ano, ou em qualquer outro em
que eu fui treinador, recebeu
mais "permissões" do que Kobe.
A menos de uma
semana para os
mata-matas, estamos distantes. No
centro da confusão está -quem
mais?- Kobe.
Desta vez, está sendo crucificado por acertar poucos arremessos: só um no primeiro tempo do
duelo em Sacramento, quando
arruinamos as chances de ganhar
a divisão. Ele fez só oito pontos.
A teoria que está sendo lançada
é que Kobe, acuado pelas críticas,
decidiu mostrar como o ataque
pode ficar quando ele não pontua. "Não sei como podemos perdoá-lo", citou um anônimo companheiro de time no "LA Times".
Kobe foi de jogador a jogador e
atirou o artigo em suas caras.
"Você falou isso?", questionou a
cada um. Mais tarde, retomou o
inquérito. "Aqui e agora", disse,
levantando a voz, "quero saber
quem falou essa merda".
Ninguém disse uma palavra.
"Você sente que estará de volta
no ano que vem?", Jeannie [Buss,
filha do dono dos Lakers e namorada de Phil] perguntou-me.
"Não se Kobe estiver no time.
Ele é uma pessoa muito complexada. Não preciso disso."
Este é um dia que
jamais esquecerei.
Pela manhã, encontrei-me com
Kobe. À tarde,
com o doutor
Buss [Jerry, dono
dos Lakers]. À
noite, estava desempregado.
Kobe veio a meu escritório. Não
conseguia tirar da cabeça meu encontro com ele em fevereiro,
quando havia uma grande tensão.
Desta vez a mesma tensão não
existia. Ambos sabíamos que eu
nunca mais seria seu técnico.
Mitch chegou. Disse para Kobe
como eu estava satisfeito com sua
habilidade para colocar de lado
nossas desavenças depois da reunião de fevereiro e com seu comprometimento para a temporada.
Eu então comecei a fazer as perguntas que realmente queria.
"Minha presença ou ausência
exerce influência no seu desejo de
renovar com os Lakers?"
Ele afirmou que eu deveria decidir sem levar isso em conta.
"Estou caindo fora", sentenciei.
"Fala sério?"
Fiz sinal de afirmativo com a cabeça. O próximo ponto era Shaq.
"A presença de Shaq influencia
sua decisão de seguir no time?"
"Sim, não há dúvida. Tive que
suportar oito anos com ele. Estou
cheio de ser um subalterno."
Escutar isso da boca dele, ouvir
Kobe dizer "subalterno", realmente me chocou.
Compreendo por que os Lakers
vêem Kobe como seu mais valioso tesouro. O garoto vai fazer 26
anos em agosto. Sua habilidade
para transformar um jogo, para
fazer uma jogada impossível, é incomparável. Mas é preciso deixar
claro que Kobe é ainda um funcionário. E que ele precisa de
orientação que o ajude a amadurecer e a se transformar no tipo de
adulto que se espera que ele seja.
Kobe está se perdendo ao não
achar um caminho para se integrar a um sistema que exige que
você ofereça algo maior do que
você mesmo. Ele pode ter sido o
sucessor natural e talvez ganhar
tantos campeonatos quanto Michael Jordan. Mas a imagem de
herói da garotada deu lugar à de
um cruel matador profissional.
Texto Anterior: Os personagens: Só tri aproxima ouro olímpico de fã de Oscar Próximo Texto: Automobilismo: Schumacher estréia como "vovô" no Brasil Índice
|