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JOSÉ ROBERTO TORERO
O coronel centroavante
Autor de dez gols num só jogo, contra o Flamengo, Tará
chegou a recusar Vasco e Flu
para seguir fiel ao Exército
QUANDO CHEGUEI à casa de Zé
Cabala, no distante Jardim
Lambretta, ele estava tomando seu café da manhã: um pouco de carne seca desfiada com jerimum, tapioca, canjica e um grande
pedaço de bolo de rolo.
"Com isso de receber almas, é preciso comer por dois", ensinou-me o
grande espiritista.
Expliquei-lhe que gostaria de falar
com algum grande artilheiro dos
anos 30. Ele comeu mais um pedaço
de bolo, rodopiou pela sala e, quando
acabou de girar, fez uma continência
e disse: "Coronel Humberto de Azevedo Viana, às suas ordens."
"Quem?"
"Talvez o senhor me conheça por
Tará."
"O maior jogador da história do
Santa Cruz?"
"E de Pernambuco, modéstia à
parte."
"Vamos começar pelo começo..."
"Olhe, eu nasci em 1914, no mesmo ano de meu adorado tricolor.
Com 15 anos, eu jogava no Mocidade
de Beberibe, com 16, fui para o Atheniense. E, aos 17, cheguei ao Santa.
Mas não foi fácil, não."
"Por quê?"
"Porque meu pai, que era tenente
do Exército, não queria que seus filhos fossem para os lados do futebol.
Mas o major Carlos Afonso, que era
presidente do Santa Cruz, foi até minha casa pedir a meu pai que me deixasse jogar. E aí, sabe como é, um tenente não pode desobedecer um
major. O pior, para desespero de
meu pai, é que outros quatro irmãos
meus seguiram o mesmo caminho."
"Qual era o seu estilo?"
"Era o estilo "mas". Eu era magro,
mas tinha chute muito forte; era baixo, mas cabeceava bem; era técnico,
mas não tinha medo de zagueiro."
"O Santa só ganhou um campeonato quando o senhor começou a jogar lá, não é?"
"Isso. Só em 31 é que o time ganhou seu primeiro campeonato.
Mas tirou o atraso e também foi
campeão em 32 e 33. E novamente
em 35 e em 40. Sempre comigo de
center-forward."
"Mas o senhor mudou de clube."
"Briguei com um dirigente e fui
para o Náutico. Houve um tempo
em que estávamos lá eu e meus quatro irmãos: Isaac, Gérson, Roldan e
Orlando, que depois o pessoal chamava de Pingo de Ouro."
"Qual a maior glória no Náutico?"
"Bom eu fui campeão e artilheiro
em 45, mas a glória mesmo foi numa
partida contra o Flamengo de Recife. Ganhamos por 21 a 3, e eu fiz dez
gols. Pena que o juiz contou errado e
só me deu nove. Se não fosse por isso, eu seria o recordista brasileiro."
"Quiseram levá-lo para o Rio?"
"Vasco e Fluminense tentaram,
mas não queria deixar o Exército."
"E onde encerrou a carreira?"
"Em 48, voltei ao Santa Cruz. A
gente sempre volta aos grandes
amores. Aí, sim, parei em paz. Ah...,
meu amigo, foram mais de 200 gols
com aquela camisa listrada..."
"Fizeram até uma música para o
senhor, não?"
Nesse instante, Zé Cabala abriu
um guarda-chuva, começou a dançar uns passos de frevo e a cantar:
"Depois de Garrincha e Pelé/ Vou
te falar/ O maior do mundo foi Tará/
Não havia teipe/ Pra registrar seu
futebol/ Mas o jornal diz que ele/
Marcou dez vezes, num jogo só/
O maior do mundo foi Tará/ Mestre
Tará."
torero@uol.com.br
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