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MOSTRA
Presidente da Bienal, o empresário Manoel Pires da Costa espera levar 1 milhão ao evento, que será gratuito em 2004
26ª Bienal busca a democratização da arte
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO
O prédio da Fundação Bienal,
no parque Ibirapuera, já está em
obras para a 26ª edição do maior
evento de artes plásticas do Brasil.
Quando for inaugurada no dia
25 de setembro, a Bienal de São
Paulo irá contar com um novo espaço: um auditório com 400 lugares, no subsolo do prédio projetado por Oscar Niemeyer.
A construção é um dos motivos
de orgulho do presidente da Bienal, o empresário Manoel Francisco Pires da Costa, 65. "Durante
décadas, este local foi um depósito. Agora faremos dele um espaço
permanente para debates e oficinas de arte", diz.
Pires da Costa tem outro motivo
de satisfação. Desta vez, a Bienal
não cobrará ingresso dos visitantes. "A democratização da arte é o
espírito da Bienal. Não se precisa
colocar paletó e gravata para ver a
Bienal. Há um ranço de elitismo
aí", diz o empresário, que se define como "um operário das artes".
A 26ª Bienal, assim como dispensou o ingresso, decidiu manter de fora o "núcleo histórico",
com artistas consagrados e conhecidos do grande público, como ocorreu na edição anterior
(leia mais em texto nesta página).
"A Bienal tem que buscar o novo", afirma Pires da Costa, que
confessa não gostar, em arte,
"dessas coisas do momento" e
prefere "naifs", como Djanira.
Ao lado de uma pintura abstrata
de sua filha Gabriela, em verde e
azul, as mesmas cores da logomarca da Bienal, Pires da Costa
conversou em seu gabinete, no
parque Ibirapuera, sobre os seus
planos para conseguir levar 1 milhão de pessoas ao evento.
Folha - Qual é a sua relação com
as artes plásticas?
Manoel Francisco Pires da Costa -
Eu sempre tive o conceito, mas
nunca tive a profundidade. Sempre gostei de adquirir, mas não
me considero um colecionador.
Tenho algumas peças interessantes e muito focadas num ambiente bem Brasil. Gosto de José Antônio da Silva, Djanira, Antonio Poteiro, coisas dessa ordem. Não me
considero um expert em arte. Sou
apenas um curioso, uma pessoa
preocupada, com sensibilidade,
mas sem condição de fazer uma
análise mais profunda.
Folha - Do que o sr. não gosta?
Pires da Costa - Para ser honesto,
eu não gosto muito dessas coisas
de momento, justamente o que a
Bienal é. Mas, às vezes, é porque
eu não entendo a proposta. Eu
gosto de entender a proposta primeiro. Às vezes, não gosto de algo, mas depois que me explicam o
significado, minha sensibilidade
permite analisar com cuidado a
obra e verificar que falta um dado
de introspecção da minha parte
para poder entender certas coisas.
Folha - Como o sr. se tornou presidente da Bienal?
Pires da Costa - Eu vendi um
banco de minha propriedade em
1999 e, apesar de ter outras empresas para cuidar, consegui ter
mais tempo para conversar com
os amigos. Foi Sábato Magaldi
[crítico de teatro e conselheiro da
Bienal] quem me convidou. Eu
aceitei, pois gosto muito do Carlos Bratke [então presidente da
Bienal]. Comecei a ajudar, e o
Carlos disse que ia me indicar para sucedê-lo.
Folha - O sr. concorda com a supressão do núcleo histórico?
Pires da Costa - Eu concordo
com essa tese, mas por outro lado
concordo em homenagear alguém todo ano. Por exemplo, vamos homenagear Portinari [1903-1962] nesta Bienal.
Folha - Foi uma idéia sua?
Pires da Costa - Minha idéia foi
homenagear alguém. Quando eu
soube que as comemorações do
centenário de Portinari ainda não
haviam terminado, conversei
com o João Cândido [Portinari, filho do pintor] e decidimos ter 200
m2 para o Portinari. Serão apenas
projeções de imagens de obras, e
também faremos o lançamento
do catálogo raisonnée.
Folha - O visitante não sentirá falta das próprias obras de Portinari?
Pires da Costa - A BM&F [Bolsa
de Mercadorias e Futuros], no
centro, vai apresentar uma mostra paralela com as obras.
Folha - Quanto a Bienal economiza por não ter núcleo histórico?
Pires da Costa - É uma grande
economia, porque o seguro e o
transporte são caros. Mas não é
por essa razão que não teremos
um núcleo histórico. A Bienal tem
que ter um caráter participativo e,
como ela vive em muitas ocasiões
de recursos públicos, há que ser
muito austero. Mas a decisão de
não ter núcleo histórico é absolutamente política, não econômica.
E não fui eu quem a tomou. Eu
apenas a aplaudi. Os museus têm
mais condição de fazer isso [exibir a arte histórica]. A Bienal tem
que buscar o novo.
Folha - O núcleo histórico costumava ser um atrativo para o público. Qual é a sua estratégia para garantir um bom afluxo de visitantes?
Pires da Costa - A Bienal precisa
focar em duas coisas importantes:
ela é um elo comercial e social. O
lado social são os cursos profissionalizantes que estamos fazendo.
Estou preparando um corpo de
400 monitores para o mercado.
Amanhã, outros poderão recorrer
a esses monitores. Por outro lado,
fizemos um acordo com o Centro
de Memória da Juventude, da
UNE [União Nacional dos Estudantes], e estamos realizando um
trabalho intenso para trazer estudantes à Bienal. O público majoritário da Bienal é de estudantes
universitários, entre 18 e 28 anos,
das classes A, B e C. Este vai ser o
grande público. Como a Bienal é
de graça, acredito que teremos
mais de 1 milhão de visitantes.
Folha - Por que é tão importante
chegar a esse número: 1 milhão?
Pires da Costa - Porque uma das
coisas que discutimos com o Ministério da Cultura foi esse propósito de democratizar a arte. Esse é
o espírito da Bienal. Democratizar
não no sentido de levar a arte, mas
de trazer o público para ver arte.
Não se precisa colocar paletó e
gravata para ver a Bienal. Há um
ranço de elitismo aí. Por isso precisamos desinibir a sociedade.
Folha - O sr. acha que no Brasil a
exibição de arte é elitista?
Pires da Costa - Acho que não,
mas lamentavelmente é preciso
cobrar a entrada. Agora, se podemos fazer de graça, como estamos
pretendendo, isso é um estímulo
para as pessoas. Não estou fazendo isso para durar uma eternidade. É um presente aos 450 anos de
São Paulo. É uma experiência.
Folha - Sem núcleo histórico, foi
difícil conseguir patrocinadores?
Pires da Costa - Eu aboli a palavra patrocinador: a Bienal tem
parceiros. Um dos focos foi o lado
internacional da mostra, pois ela é
a embaixadora do Brasil. Assim, a
Petrobras, por exemplo, traz os
parceiros internacionais para ver
a Bienal e depois senta numa mesa de "business". Isso ninguém fez
aqui. É uma sinergia que começa
agora, pode ser pequena, mas estamos pensando nas próximas.
Folha - O custo total da 26ª Bienal
é de R$ 18 milhões?
Pires da Costa - O custo total não
existe. Como não estou só captando, há parcerias, e elas envolvem
recursos e contrapartidas. A Philips, por exemplo, faz um projeto
de iluminação que vai custar R$
1,5 milhão, que não pagaremos.
Folha - Entretanto, há um grande
aporte público, não?
Pires da Costa - É fruto de um
trabalho. Na última Bienal, foi a
primeira vez que conseguimos
uma emenda da bancada paulista
no Congresso Nacional. Desta
vez, são R$ 12,5 milhões conseguidos em quatro dias em Brasília. A
emenda destina R$ 15 milhões,
sendo que R$ 12,5 milhões para
nós e o restante para o MAM.
Folha - E quanto virá da iniciativa
privada?
Pires da Costa - Quando se fala
R$ 12,5 milhões, isso não significa
que os recursos serão liberados
no prazo necessário, dependo do
orçamento da União. Nós vamos
ter o suficiente para fazer uma
Bienal de R$ 18 milhões.
Folha - Quer dizer que R$ 5,5 milhões virão da iniciativa privada?
Pires da Costa - Pode até ser
mais, mas esse valor é fato.
Folha - O modelo da Bienal, para
alguns especialistas, é errado. Para
eles, a Bienal deveria ser mais profissionalizada, como a Documenta
de Kassel, onde um conselho ligado
às artes plásticas escolhe o curador, enquanto aqui é o presidente
quem escolhe o curador.
Pires da Costa - Não fui eu quem
indicou o curador [o alemão Alfons Hug], foi o conselho da Fundação e a própria diretoria veio falar comigo. Achei que ele fez um
bom trabalho na 25ª Bienal.
Folha - Mas essa decisão não deveria ser mais profissionalizada?
Pires da Costa - Concordo. São
aprimoramentos, para os quais a
humildade do presidente precisa
ser posta em prática.
Folha - Foi o sr. quem escolheu Ziraldo para o cartaz da 26ª Bienal?
Pires da Costa - Sim, e fiz questão. Ele é uma pessoa para quem o
Brasil precisa tirar o chapéu. Ele
pode não ter nada a ver com a arte
contemporânea, mas tem sensibilidade. Acho que é um grande artista. Essa escolha é um ato grandioso por parte dessa entidade.
Folha - Quantos monitores serão
preparados para a Bienal?
Pires da Costa - Temos já 850 inscritos para 400 postos de monitores, na parceria com o Centro de
Juventude e a Faap. E não os estamos preparando apenas para esta
Bienal. É uma forma de produzir
personagens para uma demanda
que, acredito, vai crescer.
Folha - O sr. crê que 400 monitores darão conta de um público previsto de 1 milhão de pessoas?
Pires da Costa - Administrar sucesso também é difícil. Se for o caso, chamaremos mais. Prefiro administrar o sucesso ao fracasso.
Folha - A Bienal também está formando montadores?
Pires da Costa - Sim, com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento recebemos 90 crianças para participar de um curso profissionalizante de montagem, manutenção e desmontagem. Também estamos organizando oficinas de restauro e trabalhando
com a Secretaria de Estado da
Educação para formar professores. É preciso interligar arte e inclusão social, arte e profissionalização, arte e produção.
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