São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2004

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CINEMA

Estúdios aproveitam a disputa pela Presidência dos EUA para lançar produções de temática política e críticas a Bush

Com eleição, Hollywood alavanca filmes

SHARON WAXMAN
DO "NEW YORK TIMES"

Ao desligar-se de "Fahrenheit 11 de Setembro", a Disney reafirmou a idéia corrente em Hollywood segundo a qual filmes políticos costumam ser fracassos de bilheteria -e também uma maneira rápida de fazer inimigos poderosos. Na última sexta, porém, a Paramount desafiou as tradições, lançando um thriller político repleto de grandes nomes que transforma em vilã a rede de amizades que une grandes empresas a políticos e autoriza comparações com os vínculos do governo Bush com a empresa Halliburton.
(A Halliburton é uma empresa texana de petróleo que já foi chefiada pelo atual vice-presidente dos EUA, Dick Cheney; é acusada de lucrar indevidamente com a guerra, após fechar contratos de bilhões de dólares com as Forças Armadas americanas no Iraque.)
Estreando logo após a convenção nacional do Partido Democrata, "Sob o Domínio do Mal", com Denzel Washington e Meryl Streep, é uma versão atualizada do clássico homônimo de 1962.
Entre os criadores do filme há democratas ardentes, ex-partidários de Bush hoje decepcionados com o presidente e a chefe da Paramount, Sherry Lansing, uma das primeiras defensoras de John Kerry em Hollywood. E, embora o filme se declare não partidário, sua mensagem é inegavelmente crítica em relação ao status quo.
O filme original, estrelado por Frank Sinatra e que mostrava um assassinato político, foi tirado de cartaz após a morte de John Kennedy, em 63. No novo filme, uma empresa sinistra, a Manchurian Global, lucra com as guerras americanas e conspira para colocar no poder um candidato à vice-presidência controlado por ela. Os responsáveis pelo filme reconhecem que a Manchurian faz referência à Halliburton, embora o roteiro tenha sido escrito antes de a empresa tornar-se alvo de críticas.
"Sou obcecado por idéias sobre coisas como o complexo militar-industrial", disse o diretor, Jonathan Demme. "Mas foi apenas nos últimos dois anos que essa área começou a ganhar espaço nas revistas e jornais."
A Paramount mergulhou num jogo delicado de equilíbrio com o filme, tentando evitar que seja rotulado de partidário. O candidato fantoche, representado por Liev Schreiber, não é filiado a nenhum partido no roteiro, e, nas últimas semanas, o estúdio vem exibindo o filme tanto a democratas quanto a republicanos.
Lansing afirmou não ter tido motivação política nem na escolha de fazer o filme nem na de lançá-lo neste momento. "É claro que sou democrata. Não escondo o fato. Mas não estou querendo promover minha pauta democrata com o filme, e a prova disso é que dei luz verde para ele há dois anos, antes da guerra no Iraque."
Segundo ela, alguns republicanos que já assistiram ao filme vêem o personagem de Schreiber -um condecorado veterano de guerra, filho de família rica- como representando o senador Kerry, o provável candidato democrata à Presidência.
Antes de tudo, "Sob o Domínio do Mal" é um trabalho de entretenimento comercial que custou US$ 80 milhões e que tem por objetivo dar lucro. Mas seu lançamento coincide com a estréia de um número incomum de filmes de orientação política, na véspera da temporada eleitoral nos EUA.
Vários documentários políticos, todos críticos da administração Bush, vão chegar aos cinemas nas próximas semanas, beneficiando-se do sucesso comercial de "Fahrenheit 11 de Setembro".
Na condição de divisões de grandes conglomerados que têm ampla gama de interesses, os estúdios de Hollywood vêm se tornando cada vez mais ariscos diante de filmes de conteúdo polêmico, quer este seja sexual, religioso ou político. Muitos dos mandantes mais poderosos em Hollywood são pessoalmente liberais, e políticos conservadores freqüentemente fazem uso da Hollywood liberal para realçar seus objetivos.
De maneira geral, porém, os estúdios e suas empresas mães têm relutado em espicaçar Washington na tela grande, cientes de que os políticos podem decidir seu destino em questões como a propriedade de emissoras de TV e sistemas de TV a cabo.
"Sob o Domínio do Mal" vinha sendo desenvolvido há mais de dez anos. Tina Sinatra herdou de seu pai os direitos sobre o romance de Richard Condon e tentou durante anos fazer um remake. Então, semanas depois do 11 de Setembro, ela conversou com Lansing, que é sua amiga, e as duas acharam que o filme teria público interessado.
Durante o processo de criação de "Sob o Domínio...", em vários momentos o roteiro foi superado pelos acontecimentos mundiais ou se viu refletido nas manchetes. Os diálogos foram reescritos constantemente e os elementos de fundo foram modificados de modo a refletir os fatos do momento, como a discussão em torno da adoção de urnas eletrônicas e os ataques terroristas a trens em Madri, na Espanha, em 11 de março.


Tradução de Clara Allain


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