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CRÍTICA
"Celebridade", "Fama" e o jornalismo bizarro
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
"A revista da novela "Celebridade" em forma de
realidade." Os trânsitos complexos e frenéticos entre o real e o
virtual que marcam a modernidade encontraram sua tradução
no slogan "genial" que lança o
encarte "Fama".
Impressa na cartolina que separa "Fama" (nome do título
"produzido" na novela) da revista "Quem", a frase publicitária
consegue expressar em menos de
um dezena de palavras e com espantosa clareza algo que sintetiza
simultaneamente uma sofisticada operação de marketing, uma
forma abusada de fazer ficção e
uma maneira muito esquisita de
fazer jornalismo.
Não é de hoje que confusão deliberada entre ficção e realidade
cerca o universo da TV. O jornalismo tradicional de TV, aquele
das revistas de fofocas, sempre
manipulou essa confusão com
grande eficiência, passando registro da vida pessoal do ator/atriz de sucesso na TV para o do
personagem da novela muitas
vezes sem qualquer mediação.
As revistas de celebridades, que
de certa forma evoluíram deste
tipo de jornalismo, deram vários
passos além: nelas, as vidas ditas
privadas de famosos é que se tornam uma espécie de novela.
Agora, esse imbróglio chega a
uma espécie de paroxismo, com
o lançamento de uma "revista"
que trata como celebridades os
personagens da novela que tem
como tema justamente o mundo
das celebridades.
Um leitor desavisado, que pegue o encarte "Fama" na sala de
espera do dentista entre outras
revistas do mesmo gênero, pode
ter a desagradável sensação de
estar numa realidade alucinatória, no mundo bizarro do SuperHomem, onde a kryptonita é vermelha, ou do outro lado do espelho, onde Alice encontra a lógica
de pernas para o ar.
Na capa, a manchete "Separados!" anuncia as brigas entre os
principais protagonistas da novela com fotos dos atores caracterizados como seus personagens, ao mesmo tempo em que o
casal da vida real Edson Celulari
e Cláudia Raia aparecem como
eles mesmos. A matéria sobre o
cantor Mick Hucknall, que de fato fez shows no Brasil recentemente, tem um box com sua discografia e um parágrafo sobre
seu encontro com a empresária
Maria Clara Diniz, a personagem
de Malu Mader na novela.
A coisa vai além, bem além daquilo que, no editorial de "Fama", é descrito como "um caso
de amor entre os dois Brasis", o
"de verdade" e o "de mentirinha", como a editora do encarte
que assina o editorial chama o
Brasil ficcional das novelas.
Diminutiva, mas ainda assim
mentira: na palavra escolhida pela editora real do encarte (o divertido expediente lista os nomes
e cargos da redação real e, logo
abaixo, da ficcional), revela-se
aquilo que se espera de nós, telespectadores e leitores: a tolerância
com as mentiras e fingimentos
que são a matéria comum das
novelas, do marketing e desse tipo de jornalismo.
@ - biabramo.tv@uol.com.br
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