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NINA HORTA
Test-drive do serviço empratado
O chef do restaurante
solta de três a sete pratos
por vez. Mas 300
ao mesmo tempo?
SERVIÇO À francesa, serviço à
russa... Qual é qual? O serviço à
francesa existiu nas cozinhas
européias, dos tempos medievais
até a metade do século 19. Imaginem
uma mesa enorme, de banquete,
com os convidados sentados. A comida era colocada por etapas em
frente aos convidados. Nada de seis
pratos, mas de dezenas deles colocados sobre a mesa, e os convivas tentariam comer o que estava ao alcance do braço.
O serviço à russa foi aquele que
veio substituir o serviço à francesa
em alguns lugares da Europa. Nesse
novo estilo de serviço, os empregados carregavam bandejas e serviam
os comensais, sentados em seus lugares. Eram necessários mais empregados, decorações para cobrir a
mesa, que agora estava vazia.
Interessante que este serviço à
russa é o que hoje chamamos
serviço à francesa. Temos também
o serviço à americana, o mais
descontraído de todos, que é
servido em bufê, e os convidados
se levantam e vão lá escolher o que
querem.
Bem, fiz o esclarecimento acima
para introduzir o assunto: confusão que se estabeleceu depois da
nouvelle cuisine, já balzaquiana, ao
inaugurar nos restaurantes a seqüência de pratos esteticamente
muito bem cuidados -feitos com a
mão dos cozinheiros sem luvas, para poder manusear com facilidade
florzinha para cá, florzinha para lá,
filé mais alto, camarão de bundinha arrebitada, cebolinha verde espetada olhando o céu, equilíbrio
instável.
O cliente do restaurante pede
um prato. São pratos fáceis, na
maioria já picados e preparados
para cozimento rápido, no instante
de ser servido. São os pratos feitos,
o PF de antigamente, só que trabalhados com mão de ourives, em pequenas e graciosas porções.
Para nós, cozinheiros e cozinheiras de bufê, a coisa apertou. Até há
cinco anos, num casamento, se servíssemos um coquetel e um prato
feito em pé o objetivo era baratear.
A vida foi correndo, as pessoas
tomando conhecimento do modo
de servir dos restaurantes e, de repente, todas, quase todas, dizem:
"Queremos uma festa para mil pessoas, empratada".
As cozinheiras tremem nos alicerces: 100, 200, 500, 1.000, 2.000,
3.000 empratados? De que jeito? O
chef do restaurante solta de três a
sete pratos por vez, cada um feito
pelo encarregado, ou em sistema
Ford, e o cliente é servido imediatamente.
Mas 300 pratos ao mesmo tempo? Pratos cheios de linda comida
quente que não podem ser empilhados? Quantos quilômetros de
pranchão para sustentá-los? E como mantê-los quentes? Isso exige
uma estrutura de muito mais que
cinco estrelas, uma cozinha fabulosa e uma legião de garçons para que
todos sejam servidos ao mesmo
tempo ou quase ao mesmo tempo...
Costumo convencer as noivas
com um ardil bem temperado. Não
discuto muito e peço que façam a
experiência em casa. "Na hora do
almoço ou do jantar, vá até a cozinha e faça um prato bem arrumado
com o que houver no fogão. Uma
perna de frango ensopado, uma
torrada com espinafre e ovo picado, um suflezinho de abóbora e arroz. Agora, olha bem. Mude a torrada de lado. Ficou feia, volte para
onde estava. E o molho do frango?
Conserve-o quente dentro de uma
bisnaga de mostarda e aperte para
que forme ondas de molho à volta
da coxa sem molhar a torrada.
Pronto. Saia correndo (mas sem
desequilibrar os ingredientes do
prato), abra as portas com os ombros e feche-as com o pé, corra pelo
corredor, suba rapidamente a
escada, saia no outro corredor
baixo e chegue ao quarto mais
afastado da casa. Sente-se e saboreie sua bóia-fria.
Geralmente consigo fazê-las
desistir do empratado, mas nem
sempre.
ninahorta@uol.com.br
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