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"Não precisa entender, é uma brincadeira"
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Do lado de fora, no último
domingo (dia de entrada franca), a fila se estende até metade
da marquise do Ibirapuera. Lá
dentro, cem pessoas por vez
conseguem ver, embasbacadas
ou não, as obras de Marcel Duchamp (1887-1968) reunidas
no MAM de São Paulo.
Se boa parte das mais de 23
mil pessoas que já visitaram a
mostra, desde a abertura há
duas semanas, podem ter passado reto pela primeira sala,
com a cronologia da vida do artista, seu urinol branco ainda é
capaz de frear os passos. "Achar
que um mictório é uma obra de
arte só deve fazer sentido na cabeça dele", opina a produtora
de eventos Bete Fonseca, 39.
Ela e o filho Gabriel, 6, passaram alguns minutos em volta
da obra -ele bem mais entretido do que ela, é verdade. "Não
esperava ver isso num museu,
mas quis trazer meu filhote para treinar o olhar", diz Fonseca.
Não foram poucos os que seguiram o exemplo. Crianças
correndo de um lado para outro
e até carrinhos de bebê disputavam o espaço do museu.
"Se alguém ajuda a abrir
meus olhos, consigo ver de maneira diferente", diz o químico
Alfredo Alder, 56, que consultava os monitores do museu sobre cada obra lá dentro -ele
parou para fotografar várias delas. "A gente anda tão cego pelo
mundo, mas não precisa entender, é uma brincadeira."
"É aquela gozação de escola,
é o sonho de todo mundo entrar num museu e fazer um bigodinho na Monalisa", diz o
vendedor Sérgio Dias, 25, sobre
"L.H.O.O.Q.", em que Duchamp rabisca sobre um pôster
da obra-prima de Da Vinci, peça central de seu questionamento à aura do objeto de arte.
"Ele era um cara muito safado, dá para ver pelas obras que
ele fez", diz a estudante Alessandra Liebscher, 19, sem esconder a frustração. "Depois
dele, os artistas ficaram mais
preguiçosos, basicamente."
Dias e Liebscher concordam
que tudo que viram ali tem lá
sua validade histórica, mas
queriam algo mais "sério". "Hoje jogam um balde de tinta na
parede e falam que é arte, qualquer criancinha desenha e faz
uma exposição", resmunga
Dias. "Hoje é normal, nada surpreende", arremata Liebscher.
Para os mais íntimos de Duchamp, não passa de uma chance de ver de perto o que causou
tanto escândalo no século passado. "Na época, as pessoas ficaram assustadas", diz o estudante Danilo Benitez, 24. "Mas
isso tudo já virou ícone dessa
fase transgressora."
MARCEL DUCHAMP
Quando: de ter. a dom., das 10h às
18h; até 21/9
Onde: MAM-SP (av. Pedro Álvares
Cabral, s/nº, parque Ibirapuera,
portão 3, tel. 0/xx/11/5085-1300;
classificação indicativa: livre)
Quanto: R$ 5,50; entrada franca aos
domingos
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