|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Exibidor mira público de baixa renda e abre cinemas na periferia de São Paulo e em municípios que não têm salas
Comendo pelas bordas
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Ele não faz planos de ombrear a
Cinemark (a cadeia norte-americana de cinemas que domina o
mercado exibidor brasileiro), mas
aderiu ao projeto de multiplicar o
número de salas no país, ocupando o espaço que sobra -o do público de baixa renda.
A matemática do microempresário Antônio Passos, 48, é de
conta-gotas (tanto no ritmo dos
investimentos como no preço dos
ingressos). Em outubro, ele inaugurará no município de Embu das
Artes dois cinemas, que totalizam
347 lugares.
Com essas, passará a ter cinco
salas, nos mesmos moldes das
três que já possui na zona leste
paulistana -o Diretão, em São
Miguel Paulista, que administra
desde 1995, e os dois cines Itaquera, inaugurados há três anos, no
bairro de mesmo nome.
Nesses cinemas, as inteiras custam R$ 6, menor valor da cidade,
onde o preço máximo é R$ 16 (nas
sessões noturnas dos fins de semana no Kinoplex Itaim). Às
quartas e quintas, uma promoção
do Itaquera estipula em R$ 3 o
preço único das salas.
Embu das Artes
A atuação de Passos seria modesta -modestíssima, diante das
atuais 272 salas da líder Cinemark
e de seu plano de chegar a 300 até
o final deste ano- não fosse um
detalhe: os 219 mil habitantes de
Embu das Artes não contam hoje
com nenhum cinema na cidade,
distante 27 km do centro de SP.
Os de Passos porão fim ao jejum.
Em Itapecerica da Serra (a 34
km da capital), onde o exibidor
prevê inaugurar quatro salas em
2005, a situação é a mesma. Não
há no município, de 130 mil habitantes, nenhuma sala com programação regular de filmes.
De acordo com a última pesquisa de informações básicas municipais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), datada de 2001, apenas 8% dos municípios brasileiros possuem cinemas. Hoje, gira em torno de 1.800
o total de salas no país, que já foi
de 3.276 em 1975, muito antes da
decadência das enormes salas de
rua e do florescimento do formato multiplex.
Passos diz que, na equação dos
cinemas de periferia, a grande dificuldade é equilibrar a receita pequena, determinada pelos (necessariamente) baixos valores dos ingressos, com o alto custo do investimento inicial, em que pesam
os valores em dólar dos equipamentos de projeção importados.
"Só uma lâmpada de projetor
custa US$ 800 [R$ 2.486]", diz.
A solução é "não tentar se igualar ao padrão dos multiplex, mas
buscar chegar perto". Na prática,
isso se traduz num jogo de perde-e-ganha, como se vê nos cines Itaquera, localizados no shopping
homônimo, que dispõe suas 54
lojas em dois pisos, ligados por
uma rampa e uma escada fixa.
As salas têm tela grande, mas
com som dolby, o lanterninha da
sonorização. As poltronas são
confortáveis e possuem porta-copos, mas o piso tem inclinação zero. A pipoca sai por "R$ 1, a pequena, e R$ 2, a grande". Refrigerante: R$ 1. O espectador não vê
comerciais, trailers com informações de segurança nem banheiros
por perto. Se quiser ir ao toalete
durante a sessão, recebe uma ficha para poder voltar à sala, após
caminhar até o lado oposto, onde
ficam os banheiros do shopping.
Os freqüentadores aprovam o
cinema, caprichado em sua simplicidade. "Aqui a gente não paga
o luxo. Mas o cinema é bom", diz
o corretor Artur Nascimento, 32,
que levou a mulher e o filho para
assistir a "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban".
"Quando o shopping abriu, não
havia muita fila no cinema, e eu
achava que o povo não ia porque
era ruim. Um dia, entrei e vi que
era bom", conta o pintor de automóveis Ednaldo Gonçalves dos
Santos, 33. Ao lado da namorada,
Santos aguardava sua sessão de
domingo tomando uma cerveja
no Point do Pastel, uma das três
atrações da praça de alimentação
que estavam em funcionamento.
Nesse dia, a praça era animada
pelo som ao vivo do músico Rogério Nogueira. A reportagem observou que, enquanto o bruxo
Harry Potter se aventurava na tela, a voz do cantor ecoava (baixinho) dentro da sala.
"Vazar, sempre vaza um pouquinho", diz Cléber Maurício, gerente dos cinemas de Passos.
"Mas o cliente nunca reclamou. E
o cliente é nosso referencial."
Passos também não tem queixas de seu público. "Diziam-me
que eu era louco de abrir esses cinemas, que iriam destruir tudo.
Faz três anos que eles funcionam,
e não há um forro de cadeira rasgado, um chiclete grudado."
A programação do Itaquera é
voltada sobretudo para os grandes lançamentos norte-americanos, em cópias dubladas. Entre os
nacionais, "Maria - A Mãe do Filho de Deus", estrelado pelo padre
Marcelo, e "Carandiru", de Hector Babenco, emplacaram mais de
seis semanas de exibição, invadindo um território antes exclusivo de Xuxa e Os Trapalhões.
Por seu perfil de programação,
o Itaquera tem no espectador infanto-juvenil uma parcela importante de sua bilheteria. Há inclusive sessões exclusivas para essa faixa de público, como a organizada
na terça passada pelo Centro Comunitário Girassol, que levou as
crianças atendidas pela ONG para
ver o ogro do bem "Shrek 2".
Para obter cópias desses lançamentos, Passos diz ter como trunfo o bom relacionamento cultivado com os distribuidores, durante
o tempo em que trabalhou na empresa exibidora Cinematográfica
Sul (atual Playarte). "Entrei como
auxiliar, aos 18 anos, e saí como
controler financeiro, em 1991."
Conta também a favor do exibidor de pequeno porte o fato de
que, "no caso dos megalançamentos, há cópias para todos em
São Paulo". Na previsão da Columbia, a estréia de "Homem-Aranha 2" no Brasil, na sexta passada, ocuparia quase 700 cinemas. "Mas, se é um lançamento
menor e não consigo cópia, não
me importo de entrar com o filme
na terceira semana, quando começa a diminuir nos grandes circuitos, mas ainda está na mídia."
Texto Anterior: Televisão: Giordana filma crítica à juventude dos anos 60 Próximo Texto: Personalidade: Corpo de Marlon Brando deve ser cremado Índice
|