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Cidadania é mote na região Norte
DO ENVIADO A RIO BRANCO E PORTO VELHO
Algum dom à guerrilha cultural
parece mover os "expedicionários" ligados à música e à literatura recrutados pelo projeto Rumos
Itaú Cultural em suas viagens pelas capitais de cinco regiões do
Brasil -a Folha acompanhou as
estadias em Rio Branco (AC) e
Porto Velho (RO), entre os dias 2
e 4 de agosto passado.
Uma das estrelas das palestras e
mesas de discussão é o produtor
musical Pena Schmidt, presidente
da ABMI (Associação Brasileira
da Música Independente), que fala às comunidades locais de artistas e produtores culturais sobre
"processos associativos e o futuro
da música".
O tema parece pomposo, mas
sua mensagem é simples, esteja
falando a paulistas ou acreanos:
reúna-se em grupos com finalidades comuns, associe-se; crie seu
próprio selo, grave seu próprio
disco; permaneça em sua própria
cidade; faça sua música circular
pela internet.
Pouco a pouco, palavras de estímulo para que se consolidem cenas locais vão partindo das bocas
de outros participantes, como o
antropólogo Hermano Vianna, o
jornalista Kiko Ferreira e o músico e produtor Edson Natale (único participante com vínculo direto com o Itaú Cultural).
Os ouvintes, que ocupam em
Rio Branco e Porto Velho auditórios semivazios, também se manifestam -e passam a revelar peculiaridades culturais de suas comunidades. Jackson, 23, pede a palavra para explicar que integra o
Movimento Nacional de Meninos
e Meninas de Rua, tem ligações
com a Aliança dos Povos da Floresta e com o Movimento dos
Sem-Terra e lidera com o irmão
Samuel, 24, o grupo de rap Quilomboclada.
Seu depoimento vai se revelando de mansinho: "O que o rap faz
é literatura marginal"; "Quem
mora na periferia é filho de cara
do interior ou descendente de índio com negro"; "A periferia das
áreas ribeirinhas é genuinamente
cabocla"; "É preciso tentar levantar a auto-estima do caboclo". Os
expedicionários começam a
aprender com seus discípulos.
Em Rio Branco, igualmente,
aparecem os rappers locais, mais
calados que os de Porto Velho.
Músicos e fazedores locais de cultura povoam seus depoimentos
com termos como "pertencimento" (o Acre pertence ao Brasil?),
"identidade amazônica", "acreanidade", "florestania" -a cidadania mora nos extremos do Brasil, onde outro discurso corrente é
o que se queixa do isolamento, o
que tenta superar o isolamento.
Os expedicionários do "sul maravilha" são vistos pelo espelho,
não sem certa carga de hostilidade. Do vice-governador do Acre
aos conterrâneos da platéia, critica-se a visão preconceituosa exposta por um grupo paulista de
teatro que varou o Estado em pesquisa antropológica. Lamenta-se
que a imprensa sulista só tenha
descoberto o seringalista Chico
Mendes após seu assassinato.
A funcionária do Sesc de Rondônia elogia a harmonia entre os
Sescs Brasil afora, mas aponta a
arrogância e o isolamento de seus
representantes paulistas. O isolamento é visto no espelho, não só
de dentro como de fora, das megalópoles que se julgam plenamente integradas. A expedição
aprende enquanto ensina.
E Edson Natale tenta ensinar a
coexistência pacífica entre todas
as músicas -as indígenas, as eletrônicas, a MPB, os raps. "Vejo
que existe um grande preconceito
contra os músicos entre os próprios músicos", cutuca, convicto
de que não há letargia no Brasil
grande que está descobrindo.
Frases assim são plantadas como insinuações, enquanto ele
procura convencer músicos incrédulos a inscrever suas produções no Rumos, para uma possível seleção e edição em CD em
etapa posterior (as inscrições vão
até dia 22 próximo, informações
no www.itaucultural.com.br). O resultado não vem de imediato,
os cães ladram, a estrada brasileira é comprida.
(PAS)
O jornalista Pedro Alexandre Sanches
viajou a convite do Itaú Cultural
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