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BIA ABRAMO
"Casseta" chega a impasse histórico
O que esse grupo de comediantes fazia era expor o nervo das fraturas sociais do país
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O QUE será que aconteceu ao
"Casseta e Planeta, Urgente!"? Basicamente, o programa anda se arrastando, com piadas
velhas, audiência em declínio, falta
geral de vigor e de idéias. É possível
levantar algumas hipóteses para
tentar decifrar o porquê desse ar de
decadência, mas um certo esgotamento histórico parece responder,
de uma tacada só, várias delas.
O "Casseta" surgiu do "TV Pirata",
que, por sua vez, é a aventura televisiva do "Planeta Diário", semanário
que mudou os parâmetros de humor
nos anos 80. De alguma maneira, todas as produções dessa linhagem inverteram a equação do humor a partir do final dos anos 70. Retomando,
de certa forma, a esculhambação do
"Pasquim", o "Planeta Diário" revolve o humor político em sentido quase que oposto ao da imprensa de resistência e, de quebra, revela um
sentido de comicidade das contradições do cotidiano brasileiro, de forma menos edulcorada, mais "da rua"
que seus antecessores.
Se a expressão "antipoliticamente
correto" não estivesse tão eivada de
usos e interpretações tão equivocadas hoje em dia, seria o caso de usá-la
para explicar a novidade trazida pela
turma de Bussunda.
Acontece que, àquela época no
Brasil, nem havia como ser politicamente correto, uma vez que estávamos saindo de um período em que
nem mesmo os direitos básicos de
democracia estavam garantidos,
portanto, a correção política à americana era como que um luxo distante dos países desenvolvidos.
O que esse grupo talentosíssimo
de comediantes fazia era sim expor o
nervo das fraturas sociais brasileiras
-o machismo, o racismo, o sexismo,
a profunda divisão e hostilidade entre as classes- e, ao mesmo tempo,
não aderir a nenhum dos projetos
conciliatórios, despejando o mesmo
sarcasmo às soluções da esquerda e
da direita.
A fonte era tão caudalosa que sobreviveu por mais de 20 anos. Só que
agora isso parece ter, de alguma forma, começado a girar em falso. A ironia com o poder cede lugar à exploração pesada e, muitas vezes, vulgar
dos cacoetes dos governantes; aquele frescor crítico que não poupava
nada se transformou na exploração
dos preconceitos naquilo que eles
têm de mais óbvio.
Há que considerar, é claro, a perda
de Bussunda pouco menos de dois
anos atrás. Ele era uma espécie de
gênio desse humor "cassetiano" e
encarnava, como poucos, as suas
contradições: fino de inteligência,
esculhambado como só ele, capaz de
tornar qualquer grosseria engraçada. Não se trata de mitificá-lo, mas
com certeza sua morte prematura
precipitou as coisas.
biabramo.tv@uol.com.br
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