|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Datanexus derruba monopólio que se mantinha desde 1954 na medida do público televisivo
Guerra de audiência chega ao Ibope
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
A guerra de audiência chegou
ao Ibope. Monopólio desde 1954,
quando a audiência de TV começou a ser medida no Brasil, o instituto ganhou um concorrente oficial há um mês, chamado Datanexus, e um questionamento que jamais experimentara -o de ver os
seus números serem taxados de
equivocados não por um apresentador que despencara audiência
abaixo, mas por um levantamento similar ao que faz.
O confronto logo adquiriu ares
de um Fla-Flu por uma razão
mais ou menos óbvia -o Datanexus é financiado por Silvio Santos, que há mais de uma década
alardeia sua desconfiança sobre
os dados do Ibope. Mesmo quem
tem alergia a teorias conspiratórias, segundo as quais o Datanexus foi criado para produzir dados ao gosto de seu financiador e
o Ibope é um pouco mais do que
um braço da Rede Globo, as principais conclusões do novo instituto são inesperadas:
O número de domicílios com
televisores ligados na Grande São
Paulo diminui entre 8 e 10 pontos
percentuais na pesquisa Datanexus quando comparada com o levantamento do Ibope;
A audiência da Globo encolhe na mesma proporção (de 8 a
10 pontos percentuais) na medição do Datanexus. Ou seja, o público da emissora no Ibope estaria
inflado entre 408 mil e 510 mil casas, já que cada ponto equivale a
51 mil domicílios.
A Ilustrada passa a publicar
partir deste domingo uma tabela
com os cinco programas mais vistos em cada emissora segundo os
dois institutos.
Capricho do SBT
O Datanexus nasceu por uma
decisão de Silvio Santos. Foi o empresário quem cedeu para o instituto a tecnologia do aparelho usado para registrar em que canal o
televisor está sintonizado, uma
invenção do engenheiro Alfonso
Aurin, do SBT. A emissora é o
único cliente do Datanexus.
O cientista político Carlos Novaes, 46, que fundou o instituto,
reconhece a fragilidade: "Se o SBT
não renovar o contrato em julho,
o Datanexus acaba".
É claro que não foi para isso que
Novaes criou a empresa. Pesquisador por 11 anos do Cebrap
(Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento), ex-comentarista
de pesquisas da TV Cultura, sua
ambição é criar um índice de audiência acima de qualquer suspeita, algo como a taxa de inflação da
Fipe, a fundação ligada à USP.
A primeira dificuldade, segundo Novaes, é que o SBT só tinha
cerca de 250 aparelhos para instalar nas casas para registrar as mudanças de canal. Para se ter uma
idéia do contraste, o Ibope usa
750. "Nossa amostra tem cerca de
250 domicílios não porque eu decidi, mas porque era o número de
aparelhos que eu tinha", conta.
O tamanho da amostra nesse tipo de pesquisa determina a precisão do levantamento. O raciocínio é simples: se você entrevistar
cinco pessoas sobre o que ela vê
na TV entre 20h45 e 22h, não poderá tirar muitas conclusões; se
ouvir 10 mil, o quadro muda.
Novaes afirma que driblou a
restrição da amostra refinando os
critérios para escolhê-la. Primeiro, diz ter feito 3.000 entrevistas
domiciliares sobre hábitos de
consumo e de ver TV. Montou
uma pseudo-amostra com 50 casas e ficou 11 meses "enchendo o
saco das pessoas", como conta.
Descobriu que as crianças e os
mais idosos tinham problemas
para manejar o controle remoto
que usa para registrar as mudanças de canal e alterou o design do
aparelho.
Com o Censo de 2000 em mãos,
Novaes diz ter feito mais 10 mil
entrevistas domiciliares para escolher a sua amostra. Seu maior
choque, conta, foi ter descoberto
que a mulher manda no controle
remoto mesmo quando o marido
chega em casa.
Novaes afirma que não faz comparações com os dados do Ibope
porque não assina os serviços do
concorrente. O máximo que se
permite é comentar dados que
seus "amigos" do SBT e da Cultura lhe passam. Por esses números,
arrisca uma interpretação da divergência dos dados do Datanexus e do Ibope, sobretudo o fato
de a audiência da Globo encolher
no seu instituto. "Isso talvez ocorra porque a amostra do Ibope privilegia as classes AB", diz, referindo-se ao topo da pirâmide econômica. Nesse segmento, a audiência da Globo é maior, de fato.
Outra razão da divergência, segundo ele, resulta do fato de o
Ibope não instalar aparelhos para
monitorar audiência em favelas.
"Isso é um escândalo porque os
favelados são 6,5% da população
na Grande São Paulo."
Cirurgião e residente
Flávio Ferrari, 44, diretor do
Ibope Mídia Brasil, não gosta de
ver o seu instituto cotejado com o
Datanexus: "Mal comparando,
seria como confrontar a opinião
de um cirurgião renomado, com
experiência internacional, com
um médico residente. Somos o segundo instituto do mundo em
número de operações, estamos
em 13 países, só perdemos para a
Nielsen", desfila.
E a diferença de audiência? Ferrari confirma que o Ibope não instala medidores em favelas para
"preservar a integridade dos funcionários". Substitui o barraco ou
casinha de alvenaria por outra similar em área segura.
Mas essa divergência, de acordo
com ele, não explica os índices diferentes. Ferrari acha que o problema é do concorrente, claro. Segundo ele, quando o Datanexus
chega a um domicílio com mais
de um televisor não instala o seu
controle em todos os aparelhos.
Só para se ter uma idéia da distorção que isso provocaria, 55%
dos domicílios da Grande São
Paulo têm mais de um televisor.
"Quem mede só um televisor
por casa sabe que só vai encontrar
um número menor de aparelhos
ligados. Isso explica em parte a diferença de audiência entre o Ibope e o Datanexus", diz Ferrari.
Novaes confirma que não mede
todos os aparelhos porque isso seria um erro. "Você pegaria um
número gigante de aparelhos desligados. Isso não faz sentido." Ele
afirma que, a partir da pesquisa
que fez, sabe "com precisão" que
aparelho da casa deve ser monitorado pelo Datanexus. Segundo o
Ibope, esse método não é usado
por nenhum grande instituto.
O Ibope vê outro problema grave na metodologia do Datanexus:
o aparelho usado por este instituto exclui os televisores sem controle remoto. Na Grande São Paulo, 11,4% dos aparelhos não têm
controle remoto -uma população que é quase o dobro da de favelados. "Uma amostra como essa não representa os domicílios
com TV na Grande São Paulo. É
por isso que há diferenças", acredita Ferrari.
O engenheiro eletrônico e doutor em estatística Sebastião Amorim, 55, professor da Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas) que ajudou a MTV a criar
um método para monitorar audiência em nichos de mercado,
acha que as divergências "são absolutamente naturais e seria muito estranho se os resultados fossem iguais".
A razão da divergência, segundo ele, é o fato de a amostra ser fixa. Se as casas escolhidas pelo Ibope, por exemplo, tiverem uma
tendência pró-Globo, sem qualquer manipulação, isso será mantido porque a amostra não muda,
segundo ele. "Amostra fixa é quase sempre viciada sem que o vício
seja intencional. A única solução
seria usar uma amostra rotativa,
mas isso custaria caro", pondera.
De uma coisa Amorim diz ter
certeza: a amostra de 250 domicílios da Datanexus "é muito pequena, não há suporte teórico que
garanta confiabilidade".
Para o Ibope, o custo alto da
pesquisa poderá por inviabilizar
as pesquisas do Datanexus. Em
1995, a Nielsen, maior empresa de
pesquisa de audiência do mundo,
tentou entrar no mercado brasileiro e acabou desistindo -acabou comprando 11% do Ibope.
Ferrari acha que a existência de
mais de um índice atrapalha, é
quase uma aberração: "É como se
existisse mais de um câmbio no
país, mais de um preço para o
mesmo produto na vitrine".
Texto Anterior: Audiovisual: Argentino resgata raridades de Orson Welles e Elis Regina Próximo Texto: Mercado ignora criação do Datanexus Índice
|