|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Pirataria de TV paga movimenta sistema próprio em favelas do Rio; Anatel estuda contratar técnicos ilegais
De olho no gato
MARCELO BORTOLOTI
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A TV a cabo no Brasil está virando artigo popular. Nas principais
favelas do Rio, longe das estatísticas oficiais, diversas operadoras
clandestinas oferecem o serviço,
que nos morros e comunidades já
foi apelidado de "Net Gato".
O sistema pirata tem o apelido
"gambinetes" ou "cets" (lê-se
"quétis") -mistura de cat, gato
em inglês, com Net.
Na maioria dos casos, o sistema
é administrado por um morador
que tem conhecimento técnico,
faz assinatura da Net, Sky, TVA
ou Tecsat, e distribui o sinal ilegalmente para a vizinhança. E a própria associação de moradores da
comunidade informa sobre como
conseguir uma instalação.
Na favela da Rocinha, onde já
existe uma operadora de TV a cabo legalizada, a TV Roc, o serviço
é encontrado a um custo menor
na concorrente pirata, a TV do Siri. O preço: R$ 50 a instalação,
mais R$ 15 mensais. O pacote inclui 14 canais, entre eles Discovery, Cartoon e HBO. A operadora, que funciona ao lado da associação dos moradores, disponibiliza ainda um canal de sexo.
O mesmo acontece no morro da
Providência, onde a mensalidade
sai por R$ 20. Segundo o proprietário da rede, que não quis se
identificar, a operadora trabalha
com quatro funcionários e possui
300 assinantes. "No morro não
existe opção de lazer. Ter um canal de filmes ou de desenhos ajuda o jovem a ficar em casa e a não
se envolver no crime", argumenta
ele, que quer uma concessão da
Anatel. "É uma profissão honesta.
Não estou roubando, estou prestando um serviço."
Em função da localização geográfica, em muitos morros é difícil captar sinais de TV pela antena
comum. Daí a existência dos chamados "antenistas": moradores
que recebem o sinal de emissoras
abertas através de parabólicas e o
distribuem via cabo para a região.
Esta prática não é crime, só que
muitas vezes, no meio dos canais
abertos, também são disponibilizados outros de TV paga. Na favela do Chapéu Mangueira (zona
sul), o sistema ocupa uma sala na
sede da associação de moradores.
Segundo um atendente, entre os
canais oferecidos estão Cartoon,
Discovery e TNT.
"Dizem que pobre não precisa
de TV a cabo. Mas a maior prova
de que isso não é verdade é a pirataria. Quem mais assiste a televisão é o pobre, que não tem outra
opção. O rico vai para o cinema,
teatro ou shopping", diz Rosângela Quarelli, diretora de marketing
da TV Roc, única operadora que
tem concessão da Net para atuar
dentro de uma favela, e cobra
uma mensalidade de R$ 25.
Na Cidade de Deus, onde existe
uma rede da Net Rio que atravessa o bairro, a pirataria se prolifera
de maneira diferente. O técnico
da chamada "Net Gato" cobra
apenas uma taxa para fazer a ligação, e o morador não precisa pagar mensalidades. "Pagamos uma
vez para o cara instalar na rua toda, depois não pagamos mais nada. Só quando sai do ar que a gente dá um dinheirinho para a manutenção", diz uma moradora.
Certas empresas já aproveitam
esse filão. A Sat 2000 administra
uma das maiores redes de TV a
cabo em favelas do Rio. Atendem
as regiões de São Carlos, Mineira,
Querosene, Zinco e Vila Cachoeirinha, todas na zona norte. O pacote oferecido inclui 28 canais e a
mensalidade custa R$ 20.
A empresa é revendedora autorizada da Tecsat para comercializar TV por assinatura via antena
(DTH). Normalmente, para assinar um pacote da Tecsat é preciso
adquirir um aparelho de recepção
que custa R$ 320. "Abrimos uma
exceção, permitindo que a Sat
2000 explorasse TV a cabo nessas
regiões, para atender a um tipo de
público que geralmente é excluído", diz Paulo Roberto de Castro,
diretor de marketing da Tecsat.
A Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), que
responde em nome das operadoras, diz que tem conhecimento
das redes de pirataria nas favelas
do Rio. Segundo Antônio Salles
Teixeira Neto, coordenador da
comissão de antipirataria, existe
uma desatenção sobre a gravidade dos possíveis desdobramentos
desta prática. "Uma transgressão
assim, que é feita em comunidade, pode colocar em risco o próprio papel do Estado enquanto
instituição reguladora das atividades de comunicação no país."
Texto Anterior: Crítica: "Contos da Meia-Noite" coloca texto na TV Próximo Texto: Fiscalização falha beneficia clandestinos Índice
|